Jaquelyne - Família - Autismo
Ao lado do esposo, Jaquelyne enfrenta os desafios de educar
Ruan, 8, em meio a transtornos de depressão e ansiedade – Foto: Cedida

Impotência, insegurança, angústia, medo, sofrimento, exaustão emocional. Sentimentos que permeiam a vida de pais, mães e familiares de autistas. O que fazer para ajudar? Como lidar com os olhares julgadores de terceiros que não conhecem a realidade e agem como se fosse algo simples de ‘resolver’? Como evitar o estresse, as lágrimas e o confuso pensamento entre amor pelo filho e a vontade de largar tudo? Todos estes questionamentos – e muitos outros – fazem parte da rotina de Jaquelyne Sabino e de outras milhares de mães que convivem diariamente com o autismo. Tudo isso têm refletido em transtornos que mostram que não é só o autista que precisa de cuidado. A necessidade de atenção à família também é urgente!

Embora os números não tenham sido atualizados pós-pandemia, o que pode ter tornado a situação mais grave diante de um período de isolamento necessário, um estudo publicado no periódico Medicine, em julho de 2019, concluiu que, dentre as mães de crianças com autismo, 72,5% delas têm sintomas depressivos, 80,2% têm sintomas de ansiedade e 67,1% sofrem de ambos. O estudo mostrou também que condições socioeconômicas não fizeram diferença nesses índices.

Mãe atípica do Ruan Vinícius, de 8 anos, Jaquelyne é uma criança autista com nível 3 de suporte. Como comorbidade associada ao autismo, Ruan tem a epilepsia de difícil controle que dificulta e muito o seu dia a dia e, consequentemente, o da sua família. Prematuro de 32 semanas, Jaquelyne conta que os médicos que cuidaram dele na UTI disseram que ele poderia demonstrar alguns atrasos no futuro causados pela prematuridade. Então, quando ela percebia algo diferente, atribuía a esta informação.

Por isso, demorou um pouco a descobrir, de fato, o autismo. Ruan apresentava crises convulsivas, que renderam vários momentos difíceis e internações. “Até os 4 anos, o foco ainda eram as crises, pois meu filho já chegou ter 100 em um único dia e isso era de enlouquecer qualquer um. Por várias vezes, achei que o perderia. Com muito sacrifício, conseguimos chegar em uma dose de medicação que deu uma ‘segurada’ nas crises. Diminuiu a quantidade, porém não cessou. Foi quando decidimos colocá-lo na escolinha e vimos tudo mudar nas nossas vidas”, lembra a mãe.

Em casa, lembra Jaquelyne, Ruan tinha comportamentos que ela considerava ‘estranhos’. Mas na escola, eles se tornaram ainda mais visíveis. “Ele chorava muito para não ficar. Batia tanto nas tias quanto nas crianças da turma. Lembro de chorar horrores quando recebi o primeiro relatório escolar dele. Meu Deus, que criança é essa? Ele não ficava junto dos colegas de forma nenhuma. Todas as fotos que recebia, ele sempre estava só em um cantinho da sala sem interagir com o restante. As atividades todas praticamente em branco e poucas apenas com rabiscos bem grandes. Foi aí que começamos a lutar para descobrir o que estava acontecendo com ele”, pontuou.

Na época, a neurologista que o atendia, segundo relata a mãe, afirmava que o comportamento era consequência das crises epiléticas e que isso iria mudando conforme a maturidade. “Mãe tem um ‘sétimo’ sentido e, dentro de mim, algo dizia que não era só isso, que meu filho precisava da minha ajuda. Tentei uma consulta com um psiquiatra infantil pela rede pública, mas a demora é absurda. E todo dia chegava uma reclamação da escola. Uma vez, quase apanhei da mãe de um coleguinha porque o meu filho mordeu o dela. Isso me destruía cada vez mais. Um amigo da família nos ajudou a pagar uma consulta de R$ 400. A gente não tinha dinheiro. Meu marido estava desempregado, três filhos e morávamos de favor na casa da minha mãe, dependendo de um Bolsa Família. Aquela ajuda foi Deus tendo misericórdia da gente. Já fazia 7 dias que ele não dormia e acordava gritando e chorando durante a madrugada inteira. Me dá um nó na garganta só de lembrar… eu já estava em um esgotamento físico e mental tão grande que, no caminho para a consulta, eu, chorando, dizia para o meu esposo que se a médica não descobrisse o que ele tinha, ia morrer. Me sentia um lixo, a pior mãe do mundo naquele momento”, relata Jaquelyne, emocionada.

A primeira consulta foi uma mistura de alívio, afago, compreensão e ainda mais medo do que viria pela frente. Jaquelyne conta que chorou muito e, após se acalmar, contou tudo o que a afligia. “Levei junto comigo um caderno com tudo anotado. Tudo que eu julgava ver de diferente no comportamento dele pra não deixar nada passar batido. Quando terminei, disse, ainda, que eu não aguentava mais chamarem meu filho de doido. Ninguém chamava ele para uma festinha, onde ele chegava, afastavam seus filhos de perto dele. Ela, muito calma, abriu uma gaveta e retirou um panfleto de dentro. Me entregou e perguntou se eu já tinha ouvido falar em Autismo, pois tudo isso eram características desse transtorno”, contou a mãe, acrescentando que, após o laudo, ela o encaminhou para as terapias de intervenções e disse que quatro anos sem diagnóstico já era tardio.

A médica, segundo a mãe de Ruan, a acolheu e deu forças. “Ela disse que minha vida não seria fácil, que eu iria chorar muito e perder as esperanças, mas que eu não podia desistir nem parar de lutar. Senti muito alívio e muitas dúvidas, pois eu nada sabia sobre isso. Aprendi que as pessoas não entendem a diferença que as terapias fazem na vida de um autista. Elas dão um suporte para aprender coisas básicas. E, por incrível que pareça, Ruan, com 8 anos, ainda não faz terapias porque o SUS não comporta a quantidade de autistas que temos no nosso estado e no nosso país. As filas de espera para terapias são absurdas e muitos profissionais são despreparados”, afirma ela, que mora em Goianinha.

Atualmente, Ruan sabe falar, conhece as letras do seu nome, sabe contar, vestir uma cueca e levar a colher até a boca. Isso, por conta, do trabalho que os pais fazem com ele. “Ver Ruan correr, brincar de esconde-esconde com os irmãos, mesmo sendo do jeitinho dele, é algo que não tem preço. Todo esforço que fazemos é por um futuro melhor pra ele”.

Dos anos de Ruan até à descoberta do autismo, Jaquelyne sofreu com depressão. “Cheguei ao ponto de querer tirar a minha vida e a dele, pois acabaria com nossa dor de uma vez. Hoje, travo todos os dias, uma batalha contra a ansiedade. Têm dias que são mais fáceis e consigo manter minha rotina de dona de casa, mas em outros, levantar da cama é uma missão de guerra. Passar por cima de tudo isso, não é fácil. Ruan não entende que eu fico triste, que têm dias que, se eu pudesse, não queria ver ninguém. Ele acorda e precisa de suporte e não há nada que mude isso, mas tenho que cuidar dele, mesmo precisando de cuidado”, concluiu a mãe de Ruan.

Presidente da Associação dos Pais e Amigos dos Autistas de Parnamirim (APAAP) e pai de Davi, Jonatas Nascimento, explica que o tratamento qualificado do autista, beneficia a família. “Com o tratamento e as terapias qualificadas, bem feitas, a possibilidade de a criança garantir um neurodesenvolvimento e, em linguagem mais popular, a independência que nós queremos para os nossos filhos, é de 90%. No entanto, o SUS não fornece o atendimento qualificado que nós precisamos. E isso gera grandes problemas para as famílias, como depressão, ansiedade e até o suicídio”, afirma Jonatas.  Enfrentando a situação no dia a dia, Jonatas sabe bem da importância da assistência ao autista. E, por isso, sonha com a criação de um Centro de Atendimento Qualificado ao Autista. Nesse sentido, já chegou até a entregar o projeto da criação deste equipamento ao presidente Jair Bolsonaro e ao Ministro Marcelo Queiroga, durante a última visita do chefe do Executivo Federal à capital potiguar. “Agora, iremos à Brasília para buscar recursos para isso”, finaliza.