Hospital Infantil Varela Santiago
Hospital Infantil possui, atualmente, 39 enfermeiros e 192 técnicos de enfermagem – Foto: Dayvissom Melo/Novo Notícias

Esperada pela categoria da Enfermagem há anos, a lei que fixa pisos salariais para enfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares de enfermagem e parteiras foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no início deste mês. O texto do projeto, aprovado pela Câmara e pelo Senado, foi publicado com o veto de um trecho que previa correção anual dos valores de acordo com a inflação.

A Lei nº 14.434/2022, que passou a vigorar em 4 de agosto do corrente ano, altera a Lei nº 7498/86, definindo os seguintes valores de piso salarial: R$ 4750 para enfermeiros; R$ 3325 para técnicos de enfermagem; R$ 2375 para auxiliares de enfermagem parteiras. O piso salarial entrará em vigor imediatamente após a publicação, sendo assegurada a manutenção das remunerações e salários vigentes superiores ao piso. No entanto, a União, os Estados, e os municípios terão até o final do atual exercício financeiro (final de 2022) para adequar as remunerações e os respectivos planos de carreira.

Já para as instituições privadas e filantrópicas, os novos valores já estão valendo. É o caso do Hospital Infantil Varela Santiago que, a partir deste mês, já terá que repassar o valor reajustado. A unidade conta com 39 enfermeiros e 192 técnicos de enfermagem. O impacto mensal na folha de pagamento será de R$ 690 mil. Atualmente, o custo da unidade apenas com pessoal é de R$ 1,7 milhões. Com o novo piso aprovado, esse valor saltará para R$ 2,4 milhões.

“Todo profissional tem direito a um salário digno e justo e nós pagamos com todo o prazer. O problema é que não temos de onde tirar esse dinheiro. Serão R$ 690 mil a mais por mês e não sabemos que fonte vai nos ajudar a custear esse valor. Nós vamos buscar um ‘socorro local’ com Governo do Estado e Município e, após as eleições, também com o Ministério da Saúde. Vamos marcar uma audiência com o ministro [da Saúde, Marcelo Queiroga] para explicar nossa situação e tentar recursos que nos ajudem”, explica o médico Paulo Xavier, diretor do Varela Santiago.

Caso esses recursos extras não venham, a solução será enxugar o quadro e, consequentemente, os atendimentos. “Se não conseguirmos uma fonte de recursos, nós seremos obrigados a encolher uma estrutura tão importante para a pediatria do RN, mas, infelizmente, não teremos recursos para custear isso. A solução será reduzir serviço, demitindo funcionários e reduzindo a quantidade de atendimentos, principalmente de internamentos”, completou o diretor, informando que a unidade está com uma UTI Neonatal equipada e pronta para inaugurar, mas terá que esperar essas definições para abrir.

O Hospital Varela Santiago atende 100% pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e cerca de 90% dos pacientes são vindos do interior do Estado. A unidade possui atualmente 530 funcionários com carteira assinada, além de mais de 100 prestadores de serviço. A unidade recebe recursos do Ministério da Saúde, por meio, do Município e um repasse anual do Governo do Estado que foi reduzido de R$ 2,3 milhões para aproximadamente R$ 1,5 milhão. O convênio com o Natal Cap dá um ‘alívio’ com um repasse semanal de R$ 110 mil, mas, mesmo assim, o hospital ainda possui um déficit considerável.

O outro lado…

Para os profissionais, a aprovação do piso significa uma conquista de muitos anos. “A medida beneficia a categoria sob a perspectiva coletiva, não individual ou pontualmente. Compreendemos que um piso salarial é uma medida protetiva, essencialmente, protegendo profissionais de abusos salariais e insultos financeiros. Os técnicos de enfermagem, especificamente, são profissionais responsáveis por cuidados diretos essenciais para a garantia do bem estar de um ser humano. Serviço, de uma forma geral, é algo de valor. A grande questão é: quanto vale o seu bem estar num processo de adoecimento? Quanto vale ter suas necessidades humanas básicas bem atendidas diante de uma situação de vulnerabilidade como o tratamento de um câncer ou uma internação hospitalar?”, questiona a enfermeira Patrícia Meireles, do @donadoplantao.

Para ela, o mercado enfrentará uma fase de adaptação, mas a lei de mercado é imperativa. “Talvez hajam sim demissões, provavelmente profissionais menos qualificados serão dispensados. Mas, mais uma vez: não é sobre um contra cheque ou um CNPJ, a instituição do piso salarial é um ganho coletivo que protege uma categoria inteira dos abusos que fomos submetidos por décadas. Num contexto histórico, por exemplo, o fim da exploração do trabalho infantil deixou os donos de fábricas, na revolução industrial, desesperados. Eles alegavam que a indústria têxtil não sobreviveria sem explorar crianças. E eles sobreviveram. As crises também são oportunidades de desenvolvimento humano. O próprio contexto histórico marca os progressos. Os impactos acontecerão, a crise está posta, mas as perspectivas futuras favorecem uma classe inteira de profissionais que cuidam de vidas humanas”, conclui a profissional.