Casos de queimaduras provocados por uso de fogão a lenha têm aumentado no Estado – Foto: Carlos Azevedo/NOVO

Há pouco tempo, quando falávamos em lenha e carvão, nossa mente nos remetia, imediatamente, a um grande churrasco com amigos, famílias e agregados. Contudo, em poucos meses, esses elementos foram transformados em alternativa na cozinha, no preparo de alimentos, para famílias de baixa renda, devido aos constantes aumentos no preço do gás.

Uma dessas famílias é a de Rosiane Souza, composta por seis pessoas, que há mais de cinco meses teve que procurar uma saída para fugir do preço do gás e conseguir alimentar sua família. “Da última vez que comprei, o gás estava custando R$ 86. Fui procurar opções para substituir, seria o carvão ou a lenha, mas o carvão também está subindo muito [o preço], aí optei pela lenha”, conta ela.

De acordo com Rosiane, hoje a carroça de lenha no bairro em que mora, na Zona Norte de Natal, custa em média R$ 35 e dura apenas 15 dias. “É porque a gente faz fogo três vezes no dia, as três refeições, né!”, explica a dona de casa.

Ela diz que a solução encontrada levou em consideração momentos em que foi preciso escolher entre pagar outras contas e a alimentação. “Se a gente for comprar o gás, já tira a energia, que vem cara também, temos que escolher o que é prioridade”, desabafa.

O pesquisador de políticas públicas, Artur Dutra, critica a falta de reajustes no projeto Bolsa Família, que serve como condicionador de oportunidades para famílias de baixa renda. Para ele, “os governos precisam levar em consideração a inflação e a burocratização de acesso ao auxílio emergencial”. Ele ainda lembrou que em um cenário como esse, de alta no preço de gás, aumenta também a fome entre a população, que precisa escolher as prioridades de sobrevivência.

Apesar de ser uma alternativa mais barata, esses métodos podem causar acidentes graves e afetam a saúde de quem lida diretamente e indiretamente com o fogo alternativo. Na família da própria Rosiane, há dois exemplos; o neto, asmático, e a mãe, que sofreu uma queimadura enquanto tentava acender o fogo a lenha. “Quando eu preciso cozinhar, minha filha sai de casa com meu neto”, esclarece.

Famílias de baixa renda estão cozinhando com lenha – Foto: Carlos Azevedo/NOVO

Dados levantados por movimentos sociais do Rio Grande do Norte revelam que entre novembro de 2020 e janeiro deste ano mais de três mil famílias que vivem na linha da pobreza passaram a usar métodos alternativos ao gás para cozinhar. Segundo a União de Negros pela Igualdade, o consumo de álcool, usado como combustível para acender fogo à base de carvão e lenha, cresceu, pelo menos, 45% no RN.

O Hospital Walfredo Gurgel não tem estatísticas acerca de vítimas de queimaduras, entretanto, o médico responsável pelo Centro de Tratamento de Queimados (CTQ), Marcos Almeida, diz que já percebe um aumento na internação de pacientes por causa da utilização de álcool na cozinha. Já um levantamento feito pela Sociedade Brasileira de Queimados, entre março e novembro do ano passado, apontou que 35,5% dos entrevistados se queimaram por usarem álcool 70% na cozinha.

A orientação dada pelo médico Marcos Almeida para quem sofre acidentes desse tipo é: lavar com água corrente até resfriar e aliviar a sensação de dor, cobrir o ferimento com um pano limpo e ir ao pronto socorro. Já as orientações do Corpo de Bombeiros para evitar acidentes são: só sair de perto do fogão a lenha quando realmente o fogo tiver apagado; não colocar materiais inflamáveis próximos ao fogão, tipo tapetes, cortinas, móveis; deixar as crianças longe das chamas; não jogar nada dentro do fogão; cuidado ao usar o álcool, pois é inflamável e pode gerar um princípio de incêndio; não colocar muita lenha, e em caso de ocorrência, ligar para o Corpo de Bombeiros através do telefone 193.

Deputada aciona Justiça contra preços

Na última terça-feira (20), a deputada federal Natália Bonavides (PT/RN) entrou com uma ação na Justiça Federal com a intenção de barrar o aumento no preço do gás de cozinha. Bonavides afirmou ter acionado a Justiça para que “o povo não pague a conta da política econômica desastrosa do Governo Federal”. “As pessoas já estão sem ter como comprar vários itens da cesta básica e quando conseguem, falta o gás. Por isso, nós acionamos a Justiça Federal”, diz ela.

Atendendo ao pedido da deputada, a Justiça Federal do Rio Grande do Norte intimou a Petrobras e o Governo Federal para que apresentem, no prazo de até 72h, explicações sobre os novos aumentos nos preços do gás de cozinha, da gasolina e do diesel.

Petrobras aponta custos do botijão de gás

No último mês de março, o presidente Bolsonaro editou um decreto e uma medida provisória que zeraram a cobrança de impostos federais sobre o gás de cozinha. O valor médio cobrado de PIS e Cofins até fevereiro era de R$ 2,18 por unidade.

Contudo, o valor de ICMS cobrado no RN no mês de maio foi de R$ 16,38, segundo dado da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

De acordo com a Petrobras, os maiores custos que compõem o valor do botijão de 13 kg são o de produção (48,9%), uma média de R$41,97, e o de distribuição e revenda (36,6%), R$ 33,22. Hoje, o preço final de um botijão de gás em Natal custa em média R$ 105.