Geraldo Pinheiro é médico psiquiatra e escreve para o NOVO quinzenalmente.

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Opinião

Artigo Geraldo Pinheiro: Entre a depressão e o resfriado

Por que as têm dificuldade em compreender que, em uma depressão, o indivíduo que está sem vontade de fazer as coisas, sem ânimo, está assim não é porque quer, não é por falta de igreja, não é porque não se ajuda?

por: Geraldo Pinheiro, psiquiatra

Publicado 12 de maio de 2025 às 17:15

Os médicos clínicos gerais estão acostumados a atender pacientes com a seguinte coleção de sintomas: tosse, coriza, espirros, moleza no corpo, cefaleia. Tal conjunto de afecções caracterizam o que chamamos de síndrome gripal, ou resfriado comum. Na maioria dos casos, a síndrome gripal é causada por uma nasofaringite, que é uma doença causada por algum vírus. Esse vírus infecta o organismo e, como consequência, há uma reação inflamatória no nariz e garganta e o indivíduo evolui com aqueles citados sintomas. Em geral, dura cerca de 7 a 10 dias. É uma condição que classificamos como autolimitada porque, depois desse curto período, o indivíduo estará curado e “vida que segue”.

Qualquer um que veja uma pessoa acometida por um resfriado, portando aqueles sintomas, ficará compadecido, recomendará que procure ajuda médica, dirá que fique em repouso para que possa se recuperar e tentará encontrar palavras de conforto, dizendo que logo, logo, ele ficará bem. Ninguém dirá, por exemplo, que o indivíduo está apresentando aqueles sintomas “porque quer”; ninguém dirá que o indivíduo está tossindo “porque não está se ajudando”. Ao ver o próximo claramente gripado, as pessoas não dirão que “é preguiça”. E ainda não proclamarão frases do tipo: “isso é falta de Deus”.

Já os psiquiatras estão acostumados a atender pacientes com uma outra coleção de sintomas: falta de vontade de fazer as coisas a que está acostumado a fazer (o nome técnico para esse sintoma é “hipobulia”, para os casos mais leves; “abulia”, para os casos mais graves); falta de prazer nas atividades que normalmente geravam prazer naquele indivíduo (o nome técnico para esse sintoma é anedonia); tristeza, choro frequente, falta de ânimo, falta de energia, sentimentos de ruína, pensamentos de morte e/ou suicídio. Embora a lista não esteja completa, os sintomas citados, se mantidos de forma praticamente ininterrupta e por um certo tempo mínimo caracterizam a síndrome depressiva. Diferente da síndrome gripal (em que nós sabemos que há um agente viral causando a condição), desconhecemos um agente causador (agente etiológico) da depressão.

Sabemos bem de inúmeros fatores de risco para a depressão, mas isso não é igual a fatores etiológicos; os fatores de risco não são em si uma causa da depressão. No máximo, eles facilitam o surgimento da mesma, mas não definem, não determinam. É possível que um indivíduo tenha os fatores de risco, mas não desenvolva depressão. Muitas vezes, verificamos, em cada paciente atendido, gatilhos (fatores precipitantes) para o início daquele episódio depressivo. Encontramos ainda, não raras vezes, fatores perpetuadores da depressão. E, ainda, haverá casos em que ou não há tais fatores ou eles estão ocultos em entrevistas iniciais…

Entretanto – para continuar a comparação com o resfriado – não é raro ver pessoas que estão próximas a um deprimido elaborarem frases do tipo: “você está assim porque não se ajuda”; “isso é falta de Deus, você não vai à igreja”; “isso é besteira, só tem depressão quem não tem o que fazer”.

Ora, eu me pergunto, por que as pessoas têm facilidade em compreender que, em uma gripe, o sujeito não está tossindo porque quer, não está com dor de cabeça por falta de oração? E por que, por outro lado, têm dificuldade em compreender que, em uma depressão, o indivíduo, que está sem vontade de fazer as coisas, sem ânimo, está assim não é porque quer, não é por falta de igreja, não é porque não se ajuda? Pessoas que fazem esses comentários geralmente estão bem-intencionadas.

Fazem tais comentários por acreditar que, ao fazê-los, estarão ajudando. Porém, não é assim. Quem está deprimido e ouve tais comentários se sente pior. Interpretam tais declarações como julgamentos, críticas. Uma vez já portadores de uma doença grave – a depressão –, ao se sentirem julgados pelos entes próximos, tendem a piorar ainda mais do seu estado mórbido. O deprimido que ouve essas falas se sente acusado. Sente-se num tribunal em que ele é o réu; ele é o culpado pelo próprio adoecimento que está apresentando.

O resfriado e a depressão são duas doenças e, como tal, promovem sintomas (que já foram explicados parágrafos acima) e esses sintomas surgem à revelia da vontade do indivíduo portador destes males. Da mesma forma que ninguém adquire um vírus para desenvolver o resfriado por desejo seu, ninguém adquire depressão por desejo seu. Ninguém fica bom do resfriado pela simples vontade. Ninguém diz: quero ficar bom desse resfriado agora! Sabemos que isso não existe. Pois ninguém consegue ficar recuperado de uma depressão apenas exprimindo esse desejo. O tratamento da depressão não se resume a querer ficar curado. Na verdade, todos os portadores de depressão querem ficar plenamente recuperados, mas esse tratamento não é tão simples assim.

Por falar em tratamento, essa é outra diferença entre a depressão e o resfriado. Enquanto que este é, como já dissemos, um fenômeno autolimitado (isto é, o indivíduo vai ficar bom, sem precisar de remédio; os medicamentos usados são ditos sintomáticos; ou seja, usa-se um analgésico para dor de cabeça, um xarope para aliviar a tosse; mas não há nenhum remédio para modificar o curso natural do resfriado), a depressão não o é.

Para depressão, sim, temos um verdadeiro arsenal de medicamentos para tentar modificar o curso desta doença. Mas não é só de remédios que vive o tratamento da depressão. Há outros fatores que contribuem bastante: a prática da psicoterapia – acompanhamento regular, contínuo, com um profissional da psicologia, cuja atividade é muito mais do que “ter alguém com quem conversar,
desabafar”; a prática da atividade física, desde que, naquele momento, o indivíduo tenha o mínimo de energia para tal, também é uma parte importante das terapêuticas.

Os medicamentos, a psicoterapia, a atividade física, quando somados, geralmente causam excelente resultado nos tratamentos da depressão. É claro que existem exceções, mas isso é assunto para um outro texto. Porém, há algo que não pode faltar nessa “soma de forças”: o apoio dos familiares e amigos íntimos.

Quem está passando por um processo depressivo está em sofrimento extremo.

Sendo repetitivo, tal pessoa não está assim por quer; não está assim porque não se ajuda. Ela está assim porque está doente. E, como ajudar a essas pessoas? Vamos mostrar exemplos de frases que, além de não ajudar, ainda atrapalham: “você tem que se ajudar”; “deixe de besteira, veja que dia lindo”; “tanta gente passando fome por aí e você, que tem tudo, aí deprimido”.

Por outro lado, vejamos exemplos de frases e posturas que ajudam: “estou aqui para lhe ouvir”; “você quer conversar um pouco sobre a sua dor?”; “será que eu posso tentar ajudar? Conte-me as suas dores”; “quer que eu faça alguma coisa agora por você?”

Em resumo, elaborar discursos acolhedores, colocar-se ao lado, colocar-se à disposição para ajudar são atitudes valiosíssimas. Quem está deprimido precisa ser compreendido (e não julgado), acolhido (e não acusado). Precisa se sentir amado porque até isso ele desconfiará de que não será capaz de ser.

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