Falta de pagamento por parte do América-RN encerra atividades da equipe de futebol feminino – Foto: Patrícia Oliveira

Os R$ 50 mil cedidos pela Confederação Brasileira de Futebol, em maio, ao América Futebol Clube para o cumprimento das obrigações do clube com jogadoras e despesas do futebol feminino na disputa da Série A-2 do Campeonato Brasileiro ainda não foram repassados para atletas e comissão.

A negligência da diretoria americana gerou, como consequência, o fim de um projeto multicampeão no estado no âmbito da modalidade.

Nesta segunda-feira, um novo episódio: a ex-coordenadora do departamento de futebol feminino do América, Júlia Medeiros, publicou, em suas redes sociais, uma carta aberta à imprensa e apoiadores do futebol feminino. O NOVO teve acesso ao comunicado, horas antes da publicação, onde a profissional relata a atual situação e o descontentamento com as atitudes da cúpula americana diante dos acontecimentos.

À frente da gestão do bicampeão estadual feminino Cruzeiro de Macaíba, Julia ressaltou na mensagem que procurou o América-RN, após problemas na equipe celeste, e acreditou que no clube alvirrubro reativaria um sentimento de representatividade por parte das mulheres e de fomento à modalidade que pouco é trabalhada e divulgada a nível de Estado.

“Pensando nisso, o nome do América surgiu numa perspectiva de mudança – o que de fato aconteceu, por um tempo”, disse à profissional no comunicado.

Entretanto, apesar da equipe americana oferecer a estrutura do alojamento para as atletas, campo de treinamento, materiais, um profissional e alimentação por um período, a ex-supervisora assumiu todos os custos eventuais na manutenção da equipe.

“Mesmo sem valores financeiros nenhum, conseguimos manter os treinamentos com a voluntariedade da comissão e através de ajuda nas caronas para levar algumas atletas e pessoal da comissão técnica. Por muitas vezes nós, da comissão técnica tiramos dinheiro do nosso bolso para arcar despesas, para comprar alimentos e remédios. Realmente, não dá para fazer futebol sem dinheiro, mas fizemos. E fomos campeãs. Vencemos todas as adversidades, nós, atletas e comissão técnica do futebol feminino do América”, destacou Julia no anúncio.

Após o título estadual, a equipe feminina iniciou sua preparação para a competição nacional. Em reuniões realizadas sobre o aporte financeiro que seria recebido pela instituição, Júlia contou que ficou acordada uma ajuda de R$ 5 mil do clube para o brasileiro, mas só R$ 2 mil foi repassado.

“Só foram repassados dois mil reais, pois, ao se aproximar do campeonato, o clube começou a receber dinheiro da CBF para os gastos, o que nos ajudou a manter boa parte do que foi acordado e decidido para a equipe feminina, sendo esses gastos inteiramente relacionados a jogos e treinos. Todos eles sendo comprovados e entregues as notas fiscais ao setor responsável do clube”, garantiu a ex-supervisora.

Verba da CBF retida

Durante a disputa do certame, a CBF comunicou que enviaria a quantia de R$ 50 mil para amenizar os problemas das atletas e ajudar no desamparo por parte de alguns clubes, como na situação do América-RN. Novamente, um acordo foi feito para a verba ser destinada para minimizar os custos para futuros campeonatos e continuidade do projeto. Contudo, ao fim da competição, despesas precisavam ser pagas, mas o presidente do América, Ricardo Valério, informou que não tinha dinheiro em caixa para repassar o valor.

“O presidente entrou em contato dizendo que não tinha caixa para repassar o valor, mesmo não tendo sido repassado um real referente ao crédito dos 50 mil reais e ainda restando valores anteriores (que já tínhamos recebido em partidas anteriores). Além disso, vale frisar que não foi repassado nenhum valor para as atletas do estado e comissão técnica, o que mesmo não tendo sido acordado inicialmente com o clube, tinha sido pensado e conversado após repasse dos 50 mil reais, o que foi discutido e solicitado repasse de parte do valor de ajuda de custo para as nossas atletas representantes (valor simbólico)”, frisou Júlia.

Mais complicações foram ocasionadas pela falta do repasse, além das questões financeiras, que segundo Júlia, ainda possui três parcelas de gastos que foram divididos com juros (devido ao não envio dos valores entregues em notas fiscais ao clube) e a necessidade de duas atletas que precisam de assistência direta devido a lesões ocasionadas durante o campeonato, sendo que em uma delas ainda não foi feita nem o exame de ressonância do joelho.

“Sabendo de minhas obrigações e responsabilidades, e tendo necessidade de encerrar assuntos relacionados aos problemas gerados por omissão de responsabilidade do clube, venho esclarecer os acontecidos, pedindo a todos não só que façam pedidos apelativos de ajuda ao clube para que seja repassado os valores assim como para ajuda com as atletas que se machucaram representando o clube”, explica a gestora na carta.

A CBF confirmou que está ciente da situação e já abriu um processo investigativo interno para apurar a omissão da direção alvirrubra. Em entrevista ao NOVO, o presidente do clube, Ricardo Valério disse que “grande parte” do montante já havia sido repassado; porém, a reportagem do NOVO apurou que o repasse feito foi de apenas R$ 4.500, equivalente a 9% do valor total devido.

Júlia Medeiros finaliza a carta aberta informando que o seu desligamento do clube e das atividades do futebol feminino, foi para preservação, principalmente, da sua saúde mental. O Campeonato Potiguar Feminino 2021 começa dia 24 de outubro com Alecrim, Força e Luz, União e Monte Líbano na disputa. O atual campeão América-RN não participará da competição.

Confira a carta na íntegra: 

Carta aberta aos interessados:

A quem interessar, minhas sinceras palavras sobre os fatos. Ano passado, motivada a mudar a perspectiva do futebol feminino do Estado, diante de problemas internos acontecidos na equipe anterior que participei, busquei o América na figura do presidente para tentar migrar o projeto para lá e aproveitar não só a grandiosidade do clube no Estado, mas também para reativar um sentimento de representatividade por parte das mulheres e de fomento à modalidade que pouco é trabalhada e divulgada a nível de Estado. Pensando nisso, o nome do América surgiu numa perspectiva de mudança – o que de fato aconteceu, por um tempo.

Assumindo todos os detalhes acerca do futebol feminino dentro do time, montei uma equipe de profissionais com 15 profissionais todos voluntários para dar conta da equipe e oferecer o melhor serviço de qualidade pensando na classificação inicial do estadual que veio com êxito. A instituição entrou com a estrutura, oferecendo o alojamento para as atletas, assim como campo de treinamento e materiais, além da presença ilustre de Seu Antônio, funcionário do clube que foi nosso braço direito durante todo o processo. Em alguns momento também o clube cedeu algumas marmitas para algumas atletas (pouco tempo) enquanto nos organizávamos.

Durante o campeonato estadual fizemos a aquisição de produtos de insumo direto indispensável através de compras em cartão de crédito, pedindo ajuda a algumas pessoas e em empresas. Mesmo sem valores financeiros nenhum, conseguimos manter os treinamentos com a voluntariedade da comissão e através de ajuda nas caronas para levar algumas atletas e pessoal da comissão técnica. Por muitas vezes nós, da comissão técnica tiramos dinheiro do nosso bolso para arcar despesas, para comprar alimentos e remédios. Realmente, não dá para fazer futebol sem dinheiro, mas fizemos. E fomos campeãs. Vencemos todas as adversidades, nós, atletas e comissão técnica do futebol feminino do América.

Após isso, tivemos uma breve parada para a volta aos treinos devido a emergência da COVID, mas em março retornamos aos treinos. Após realizada reuniões com a presidência do clube, acordamos de uma ajuda de 5.000,00reais do clube para o brasileiro, o que só foi repassado 2.00,00 pois. Ao se aproximar do campeonato, o clube começou a receber dinheiro da CBF, para os gastos, o que nos ajudou a manter boa parte do que foi acordado e decidido para a equipe feminina, sendo estes gastos inteiramente relacionados a jogos e treinos. Todos eles sendo comprovados e entregues as notas fiscais ao setor responsável do clube.

Durante o período do campeonato chegou a informação que a CBF disponibilizaria de 50.000,00 reais para os clubes presidência do clube, ficamos de minimizar o máximo os custos para futuros campeonatos e manutenção do time. Devido a não classificação no brasileiro, o último jogo pela equipe teve suas despesas e, logo em seguida, foi entrado em contato para novamente repassar as despesas gastas com suas respectivas notas fiscais.

O presidente então entrou em contato dizendo que não tinha caixa para repassar o valor, mesmo não tendo sido repassado 1 real referente ao crédito de 50.000,00 e ainda restando valores anteriores (que já tínhamos recebido em partidas anteriores). Além disso, vale frisar que não foi repassado nenhum valor para as atletas do estado e comissão técnica, o que mesmo não tendo sido acordado inicialmente com o clube, tinha sido pensado e conversado após repasse dos 50.000,00 reais, o que foi discutido e solicitado repasse de parte do valor de ajuda de custo para as nossas atletas representantes (valor simbólico).

Com todos esses problemas e complicações, não excluindo vários outros referentes ao clube, decidi me desligar dos assuntos de forma direta preservando assim minha saúde mental, que estava esgotada e bastante prejudicada.

Como não podemos deixar para lá problemas que tiveram nossa responsabilidade e ainda pendentes de resolução, ainda temos 3 parcelas de gastos que foram divididos com juros (devido ao não repasse dos valores entregues em notas fiscais ao clube) e outras demandas que tínhamos no time,e ainda temos duas atletas que necessitam de assistência direta devido a lesões tidas durante o campeonato, sendo uma que ainda não foi feita nem o exame de ressonância do joelho.

Sabendo de minhas obrigações e responsabilidades e tendo necessidade de encerrar assuntos relacionados aos problemas gerados por omissão de responsabilidade do clube venho esclarecer os acontecidos, pedindo a todos não só que façam pedidos apelativos de ajuda ao clube para que seja repassado os valores assim como para ajuda com as atletas que se machucaram representando o clube.

Sei que sozinha não faço nada, omissa tampouco, mas, mesmo sabendo das consequências desse depoimento venho trazer os fatos, pedindo apoio da torcida do clube, da imprensa e de todos aqueles que ainda acreditam ser possível ser honesto e cumprir com suas palavras. Se não o fizerem por mim, que façam ao menos pelas meninas que estão lesionadas e precisam desse apoio e ajuda.

Deixo a disposição para eventuais dúvidas que surgirem.

JULIA MEDEIROS – ex-coordenadora do departamento de futebol feminino do América