No ano de 2023, 212 pessoas tiraram a própria vida no Rio Grande do Norte, registrando o maior número de suicídios dos últimos cinco anos, e igualando à marca de 2018. Já em 2022, foram 179 casos, o que significa um crescimento de 18,4.
O Rio Grande do Norte é o 4º estado do Brasil com o maior aumento, ficando atrás apenas do Amazonas, que teve aumento de 23,1%, do Maranhão (30,5%) e do Acre (44,3%). Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
A campanha do “Setembro Amarelo”, que tem esse nome em decorrência do Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio [dia 10 de setembro], chama a atenção para ações de combate e prevenção para este problema de saúde pública.
Para tentar entender o aumento de casos de suicídio no RN, o NOVO conversou com João Bosco Filho, psicólogo clínico, doutor em educação, mestre em saúde pública e docente da UERN no curso Ciências da Religião. Ele explica que não dá para falar em suicídio levando em consideração apenas o discurso de transtornos mentais. “Quando a gente olha para esse aumento no Rio Grande do Norte, a gente não pode deixar de considerar a realidade social dessa população. A gente percebe que os sofrimentos psíquicos, as dificuldades vivenciadas pelas pessoas, a falta de acesso a serviços de qualidade, de saúde, em especial de saúde pública… tudo isso pode ser apontado como fatores para esse aumento”, explica João Bosco Filho. Ele destaca que o suicídio “é um fenômeno multifatorial, onde levamos em consideração questões de ordem emocional, psíquica, social”.
O psicólogo traz um recorte da percepção de fatores que levam ao suicídio em países desenvolvidos e subdesenvolvidos. “Estudos mostram que em países desenvolvidos, esse dado do suicídio é relacionado ao transtorno mental. Mas quando olhamos para países subdesenvolvidos, os fatores sociais e econômicos também são levados em conta”, diz Bosco Filho.
Um momento recente que toda a sociedade vivenciou e pode ter contribuído para a quantidade de suicídios foi a pandemia da covid-19. Para o João Bosco Filho, ela potencializou ambientes e condições que causam sofrimento e consequentemente transtornos.
“A gente tem com a pandemia um processo de agudização e de ampliação desses sofrimentos, porque ela tem impacto na economia, consequentemente, também impacta nas organizações, e acaba aumentando o número de pessoas vivendo condições de pobreza, de fome, de exclusão, o que torna o sujeito muito mais frágil e mais vulnerável”, diz João Bosco Filho.
Entre as doenças psíquicas mais comuns, a depressão e a ansiedade são as que mais afetam a população mundial.
O psicólogo João Bosco Filho explica que juntas, elas representam cerca de 60% dos casos de transtornos psíquicos. Ele comenta sobre como cada uma delas pode impactar a vida das pessoas.
“A gente tem os quadros de depressão, em especial os quadros de depressão graves e moderados, em que o sujeito perde o sentido da vida, tem inúmeras dificuldades para seguir, para continuar. É também, dentro desse lugar dos transtornos, um problema de saúde que afeta diretamente, sendo responsável por essa questão do afastamento do trabalho, por essa questão do absenteísmo”, explica Bosco Filho, que completa: “e a ansiedade, que é uma realidade também muito comum em jovens. A gente vive aí uma sociedade de jovens ansiosos e tem estudos que já demonstram, por exemplo, o impacto das telas, o quanto elas vêm impactando nisso, porque elas produzem processos de dependência. As telas, a cada dia mais, distanciam as pessoas das relações, dessa possibilidade de diálogo”.
REDE DE ATENDIMENTO
De acordo com o psicólogo João Bosco Filho, a rede de atenção psicossocial no Rio Grande do Norte tem fragilidades, e que precisa se reorganizar para uma nova política que vem sendo adotada.
“Hoje, eu diria que a gente tem uma rede no RN que tem fragilidades, que tenta se reestruturar e se reorganizar, mas que infelizmente passou por momentos difíceis, quando se volta com o discurso de uma nova política de saúde mental, retornando para a lógica dos manicômios, das hospitalizações. E aí, os recursos que deveriam ser investidos numa perspectiva de uma saúde mental antimanicomial, acabam sendo, de novo, direcionados para esses serviços”, explica Bosco Filho.
As dificuldades de acesso à uma boa rede de atenção psicossocial podem estar sendo determinantes para algumas vidas, além das questões biológicas que levam aos transtornos.
“Não tem como a gente não pensar que o aumento desses casos de sofrimento psíquico e transtornos mentais é, para além das questões de caráter biológico e genético, É muito importante a gente entender que esses processos de adoecimento e de transtornos, eles também vão ter como problema na sua ampliação, essa falta de acesso aos serviços de saúde mental, que faz com que esses sujeitos não sejam cuidados devidamente, que não tenham acesso a um tratamento adequado, tanto medicamentoso, como tratamento psiquiátrico ou psicológico, que são essenciais nesses processos de cuidado”.