O servidor foi um dos nomes incluídos em um dossiê elaborado em 2020 pela Diretoria de Inteligência (Dint) da Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça

Cotidiano

Sentença Justiça condena União a indenizar bombeiro do RN monitorado em dossiê de “policiais antifascistas”

Decisão aponta que o uso da máquina estatal para monitorar cidadãos por convicções políticas é “prática típica de Estados autoritários”. Militar receberá R$ 10 mil por danos morais

por: NOVO Notícias

Publicado 21 de novembro de 2025 às 22:35

A Justiça Federal do Rio Grande do Norte condenou a União a pagar uma indenização de R$ 10 mil a um bombeiro militar do estado que foi alvo de monitoramento ilegal, no ano de 2020, durante a gestão do presidente Jair Bolsonaro. A sentença foi proferida nesta sexta-feira (21) pela juíza Sophia Nóbrega Câmara Lima, da 9ª Vara Federal, em Caicó. Ainda cabe recurso da decisão

O bombeiro militar — cuja identidade será preservada — foi um dos nomes incluídos em um dossiê elaborado em 2020 pela Diretoria de Inteligência (Dint) da Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça. O documento listava 579 servidores de segurança pública e professores identificados como integrantes do movimento “Policiais Antifascismo”.

Na decisão, a magistrada foi enfática ao classificar a elaboração do dossiê como uma violação grave aos direitos fundamentais. Segundo a juíza Sophia Nóbrega, a simples inclusão do nome do autor em um relatório de inteligência devido ao seu posicionamento ideológico, com compartilhamento entre múltiplos órgãos, fere a honra objetiva e subjetiva do cidadão.

“A utilização da máquina estatal de inteligência para identificar, catalogar e monitorar cidadãos exclusivamente em razão de suas convicções políticas constitui prática típica de Estados autoritários e configura grave violação aos direitos humanos”, escreveu a juíza na sentença.

Em julho, o NOVO obteve acesso a uma cópia da investigação contra os “Policiais Antifascismo”. Nomeado como “relatório de inteligência Nº 381/2020”, a peça descreve a “Ação Antifascista Brasil” como um movimento descentralizado de ideologia de esquerda, que engloba ideais do “comunismo, anarquismo e sindicalismo”.

O relatório aponta que a intensificação das atividades do grupo foi impulsionada por uma combinação de três fatores: os protestos antirracistas nos Estados Unidos após a morte de George Floyd [homem negro assassinado em 25 de maio de 2020, estrangulado pelo policial branco Derek Chauvin], a polarização política no Brasil e, por fim, a crise da sanitária da Covid-19.

“Os grupos têm se articulado para comparecer aos manifestos que são a favor do governo [Jair Bolsonaro], por eles considerados fascistas, e a favor da intervenção militar e fechamento do STF, visando manifestar oposição”, apontou o relatório federal.

No processo, o bombeiro relatou ter sido pego de surpresa com a divulgação do relatório em redes sociais. Ele alegou ter sido alvo de constrangimentos e perseguições por parte da União durante o governo do ex-Presidente Jair Bolsonaro.

O autor da ação revelou que desistiu de participar da Força Nacional após a divulgação da lista e precisou alterar planos pessoais financeiros, recorrendo a empréstimos bancários por receio de instabilidade na carreira.

A decisão fixou a indenização por danos morais em R$ 10 mil. A juíza considerou que o dano independe de comprovação específica de retaliação direta, pois decorre da violação aos “direitos de personalidade e liberdade de expressão”.

A sentença reforçou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia reconhecido o desvio de finalidade do relatório. Em 2020, os ministros declararam a inconstitucionalidade do monitoramento realizado pela Seopi, ao julgar a ADPF 722 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental).

Investigação de “policiais antifascistas” foi arquivada no RN

Em setembro de 2021, a pedido do Ministério Público, a juíza da 10ª Vara Criminal de Natal, Lena Rocha,
determinou o arquivamento do inquérito que investigava 23 agentes de segurança pública ligados ao movimento “Policiais Antifascismo”.

O procedimento foi instaurado em abril de 2020, após um policial civil divulgar um vídeo alertando que participantes de carreatas pró-Bolsonaro seriam fiscalizados por descumprimento de normas sanitárias durante a pandemia de Covid-19.

Com base nisso, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) produziu um relatório visando identificar uma suposta organização paramilitar, iniciativa que a defesa dos servidores investigados classificou como uma perseguição motivada por viés ideológico.

Os advogados argumentaram que o relatório do Gaeco continha “conclusões politizadas” e juízos morais subjetivos, chegando a associar o apoio ao ex-presidente Lula à apologia ao crime. Diante da falta de materialidade delitiva e das manifestações dos órgãos competentes, a investigação foi considerada improcedente e arquivada.

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