Coordenador do NIP do MPRN, promotor Augusto Lima. Foto: Everton Dantas/NOVO Notícias
Coordenador do NIP do MPRN, promotor Augusto Lima. Foto: Everton Dantas/NOVO Notícias

Em 2019, o Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) iniciou uma investigação para apurar um esquema de tráfico de drogas, associação para o tráfico e lavagem de dinheiro que envolvia uma figura de destaque dentro da organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) e tinha ligação direta com o estado potiguar.

Valdeci Alves dos Santos, conhecido como “Prateado” ou “Colorido” é norte-rio-grandense e é apontado pelo Ministério Público de São Paulo como “um dos gerentes do tráfico de drogas da facção” e a segunda maior liderança da organização quando estava fora do sistema penitenciário.

Há um outro dado que dá uma ideia melhor da posição de Prateado dentro do PCC: “Valdeci foi reconhecido como um dos principais articuladores de um suposto plano de resgate de Marcos Willian Herbas Camacho (‘Marcola’)”, considerado líder principal do PCC.

Por dois anos, pelo menos, essa investigação não conseguiu avançar da maneira como os promotores esperavam. Em 2021 isso começou a mudar. E essa mudança acabou revelando um suposto esquema de lavagem de dinheiro que ultrapassa as divisas do RN, envolve milhões de Reais e já perdurava por pelo menos 14 anos.

O que mudou? O MPRN criou o Núcleo de Informações Patrimoniais (NIP), uma iniciativa inédita com relação aos MPs no Brasil. Na prática — como diz a máxima — o NIP “segue o caminho do dinheiro”. Mas não só isso: graças ao trabalho que vem sendo desenvolvido, os valores resultantes de crime e de lavagem de dinheiro têm sido bloqueados e — em caso de condenação definitiva — retornarão ao Estado e poderão ser usados para obras e serviços nas áreas de educação, saúde e segurança, entre outras.

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Só para dar uma ideia, em dois anos de atuação, o NIP já analisou R$ 917 milhões, dos quais identificou como patrimônio de investigados um total de R$ 94,9 milhões e obteve o bloqueio de R$ 32,5 milhões.

O coordenador do NIP, promotor Augusto Carlos Rocha de Lima, explica que a ideia de implantar o NIP nasceu de uma experiência quando ele foi coordenador do Centro de Apoio às Promotorias do Patrimônio Público (CAOP).

Na época ele tomou conhecimento e participou da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro (Enccla), criada em 2003, que é a “principal rede de articulação institucional brasileira para o arranjo, discussões, formulação e concretização de políticas públicas e soluções de enfrentamento à corrupção e à lavagem de dinheiro.”

“Participando dessas reuniões sempre me chamou a atenção a questão da perseguição patrimonial, da recuperação de ativos e do combate à lavagem de dinheiro. E quando cheguei ao GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), em junho de 2021, eu levei essa proposta à procuradora-geral de Justiça, que encampou imediatamente. E a gente criou esse núcleo”, explica Augusto Lima.

A procuradora-geral, Elaine Cardoso, afirma que o NIP do MPRN foi implantado “por acreditarmos na importância de aprofundar e refinar informações patrimoniais em processos criminais e procedimentos investigatórios que muitas vezes apontam o caminho do dinheiro e por conseguinte indicam a atuação de organizações criminosas”.

NIP do MPRN segue tendência nacional

Augusto Lima explica que esse tipo de trabalho tem se tornado tendência no Brasil e que há estruturas semelhantes nas polícias Civil e Federal, mas nada como o NIP no que diz respeito a Ministérios Públicos no Brasil.

“No Ministério Público brasileiro não há nada semelhante. Nada semelhante no sentido de que nós juntamos o órgão de análise com o órgão de execução. Pegamos profissionais que fazem análise de dados bancários, contadores, profissionais jurídicos e tudo, juntamos no mesmo órgão com, no caso eu, promotor e assessor jurídico que fazemos denúncias e pedidos ao judiciário”, detalha.

O promotor complementa afirmando que o NIP do MPRN “é uma tentativa de congregar essas duas funções de análise e de execução no mesmo órgão para dar mais eficiência”.

Mostra de que esse tipo de trabalho desenvolvido pelo NIP do MPRN está se fortalecendo foi dada na última semana em nível federal. Diante da crise de segurança no Rio de Janeiro, em meio às medidas anunciadas — como a Garantia da Lei e da Ordem nos portos e aeroportos — foi anunciada a criação do Comitê Integrado de Investigação Financeira e Recuperação de Ativos (Cifra).

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“A descapitalização dessas organizações criminosas é decisiva para a gente reduzir o potencial ofensivo delas e poder desmantelá-las”, afirmou o secretário executivo do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, (MJSP), Ricardo Capelli.

O Cifra será composto pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, Secretaria de Fazenda do Rio de Janeiro, procuradores e auditores da Fazenda Estadual, além da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal.

A investigação dos patrimônios dos criminosos também foi defendida pelo ministro Flávio Dino. “No caso do Rio de Janeiro, isso é fundamental para combater as narcomilícias, uma vez que há fontes de financiamento institucionalizadas, como distribuição de gás, postos de gasolina, provedores de internet ilegais e assim sucessivamente”. A institucionalização do Cifra deve ocorrer na próxima quarta-feira (8).

Assista abaixo uma entrevista com o promotor Augusto Lima:

Operação Plata, um exemplo de atuação do NIP

O Núcleo de Informações Patrimoniais do MPRN atua em casos específicos e também auxilia outras promotorias. São cinco pessoas: o coordenador, uma assessora jurídica, dois contadores e um técnico. Poderia ser pouco se o trabalho não fosse feito de forma articulada dentro do GAECO.

O maior exemplo do trabalho que vem sendo desenvolvido pelo NIP é a operação Plata, que foi desencadeada em fevereiro deste ano. “A Plata é um ótimo exemplo para contextualizar esse avanço que a gente está falando. Este caso já existia no MPRN desde 2019. Havia sido dado um primeiro andamento. Foi feita uma operação nos modos, digamos, tradicionais. E não se tinha avançado para a questão realmente de recuperação de ativos e de combate à lavagem de dinheiro’, conta o promotor Augusto Lima.

A partir do momento que o NIP se debruçou sobre essa investigação, o caso voltou a andar. O coordenador do Núcleo acredita que se não fosse essa nova forma de atuar haveria grandes chances da investigação ainda estar com dificuldades para avançar. “Eu digo isso com 90% de certeza. Não posso dar 100% porque nada é 100%”, diz.

A operação Plata investiga um esquema de corrupção que envolve associação criminosa para lavar valores oriundos do tráfico de drogas, de organização criminosa e de outros crimes. Um dos investigados,Valdeci Alves dos Santos, e seu irmão, Geraldo dos Santos Filho, conhecido como Pastor Júnior. Um detalhe interessante: na dissimulação de valores foram usadas inclusive igrejas.

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“O dinheiro do grupo é proveniente do tráfico de drogas. O lucro do comércio ilegal era lavado com a compra de imóveis, fazendas, automóveis, na abertura de mercados e até com o uso de igrejas. Segundo já apurado pelo MPRN, Geraldo dos Santos Filho e a esposa dele abriram pelo menos sete igrejas evangélicas”, diz a mais recente das quatro denúncias (agosto de 2023) já oferecidas em decorrência dessa investigação.

Essa denúncia foi feita em agosto deste ano e já foi aceita pela Justiça, de modo que todos os denunciados já são réus e agora respondem pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa. Ao todo, o MPRN já ofereceu denúncias contra 23 pessoas em decorrência da operação Plata. Já foram levados ao Judiciário 493 fatos criminosos cometidos pelo grupo criminoso e o Ministério Público obteve bloqueio judicial efetivo de R$ 13 milhões em bens.

Essa última denúncia envolve inclusive uma pessoa que era procurador em uma prefeitura do Rio Grande do Norte e — segunda a investigação — “entre 2012 e 2021 entraram nas suas contas a monta de R$ 23,3 milhões, valor completamente incompatível com a renda de servidor público municipal” (trecho da denuncia).

Ao todo, nas quatro denúncias, a Justiça já determinou o bloqueio e indisponibilidade de bens até o limite de R$ 23.417.243,37. Valdeci dos Santos e seu irmão encontram-se presos.

O futuro do Núcleo de Informações Patrimoniais do MPRN

O trabalho do Núcleo de Informações Patrimoniais do MPRN — de certa forma — está apenas começando. Grande parte das ações que eles desenvolvem ainda não apareceram na mídia. Por exemplo, na crise de segurança que se abateu sobre o Rio Grande do Norte em março, o NIP atuou. “Durante o salve o NIP fez algumas atuações ali que ainda estão em sigilo e, obviamente, vão ter reflexão prática depois”, diz o promotor Augusto Lima.

Outra linha de ação poderá acontecer durante a eleição do ano que vem. De acordo com ele, se provocado, o NIP poderá atuar na verificação patrimonial de candidatos suspeitos ou em financiamentos suspeitos feitos durante a campanha eleitoral. “Desde que a gente seja demandado pelos promotores eleitorais é bem provável que sim”, diz.

O promotor explica que há ainda outros horizontes para o Núcleo. “O nosso desejo é instituir uma cultura de perseguição patrimonial no MPRN. A gente quer que o nosso trabalho, em alguma medida obviamente, seja adotado também pelas promotorias. Nos casos mais cotidianos. Aquele pequeno traficante que pode ter alguma exploração de dinheiro em contas de terceiros, em lavagem, golpe de pirâmide. Aquele golpe do WhatsApp que está correndo naquela comarca específica. Que a gente possa tentar ir atrás do patrimônio que foi desviado”, afirma.

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Augusto Lima também comenta que a ideia é “ter uma força maior nessa questão de recuperação de ativos para que a gente tenha uma inibição daquele comportamento”.

“Vou dar um exemplo muito claro aqui. Era um caso de pirâmide e um caso de sonegação fiscal e lavagem. Os principais estavam foragidos. Mas seus advogados procuraram o MPRN, procuraram o GAECO, para conversar sobre a eventual colaboração. Por quê? Porque apesar de eles estarem foragidos, aparentemente longe da prisão, seus bens estavam bloqueados. Então, houve ali uma inibição de repetir aquele comportamento criminoso”, conta.

Na opinião da coordenadora do Centro de Apoio às Promotorias do Patrimônio Público (CAOP), promotora Beatriz Azevedo, o NIP “tem trazido um novo olhar à atuação do MPRN, ampliando o enfoque da recuperação de ativos para as mais diversas áreas, exemplo do combate à corrupção, financiamento de organizações criminosas, macrocriminalidade, lavagem de dinheiro, tendo como crimes antecedentes os mais diversos.””

“O NIP agrega tanto a análise de dados quanto a elaboração de peças jurídicas, que reúne essas duas facetas em um único órgão, dando um nítido salto de eficiência no apoio prestado às investigações do MPRN”, afirma.

Na avaliação da procuradora-geral de Justiça, Elaine Cardoso, o NIP tem a capacidade de potencializar a atuação do Ministério Público do TN no combate ao crime. “Enxergamos assim um futuro com capacidade de potencializar resultados a partir desse trabalho voltado ao combate da lavagem do dinheiro, da corrupção, do crime organizado e outros relacionados”, afirmou.

Ouça abaixo um podcast especial feito para complementar esta reportagem especial:

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