CEO da companhia têxtil Riachuelo faz críticas à política do governo federal de isenção de tributos para compras internacionais de até US$ 50. André Farber chama o mecanismo de “injustiça tributária”
Publicado 27 de maio de 2024 às 15:31
Um dos assuntos que mais tem gerado discussão no Brasil atualmente é a atual política de isenção de impostos para compras internacionais de até US$ 50. O assunto está em discussão no Congresso Nacional, e tem a atenção do presidente da República, que deixou claro seu interesse em manter as compras sem cobrança de impostos.
O tema se tornou um grande impasse no legislativo nacional, e tem causado preocupação no setor econômico, especialmente empresas do varejo, que são as mais afetadas pela concorrência desleal que enfrentam junto ao mercado internacional, principalmente asiático.
O CEO da Riachuelo, André Farber, conversou com o NOVO e demonstrou preocupação com o futuro do país caso essa medida não seja revista. Ele acredita que o Brasil vai mudar isso, mas prevê um cenário preocupante se a política, hoje endossada pelo Governo Federal, sob o programa Remessa Conforme, seja mantida, prevendo até a possibilidade de fechamento de postos de trabalho e a mudança de empresas para outros países no intuito de buscar isonomia tributária.
Confira a entrevista:
Como a Riachuelo vê esse momento de discussão do fim ou não da isenção de taxas para compras em mercados eletrônicos internacionais?
André Farber: Hoje a gente vive uma injustiça tributária gigantesca e ainda não teve todo o impacto social que pode gerar, mas que se não for corrigida pode gerar uma injustiça social e uma mudança da matriz industrial e de serviço brasileira nunca vista. A gente está, no momento, em uma discussão que é das mais importantes dos próximos 50 ou 100 anos do país, se ela não for bem resolvida. Aqui na Riachuelo, temos muitas coisas que a gente faz no Brasil, mas usamos muitos insumos importados. Como eventualmente fio ou uma máquina, mas também a Riachuelo compra parte dos nossos produtos fora do Brasil – 30% do que importamos. E aí, por exemplo, para importar uma camisa que eu, porventura, comprei na China, eu faço a importação por algum dos portos do Brasil, pagamos 35% de taxa de importação no Têxtil, paga PIS Cofins de 11,75%, e paga o ICMS que varia por estado entre 18 e 25%. A soma desses tributos em cascata faz com que a nossa tributação seja acima de 80%. Como você pode comparar uma taxação acima de 80% com uma taxação de 17%, que é do ICMS, a única do Remessa Conforme? A gente fala que precisa tributar não é porque a indústria nacional quer uma vantagem competitiva, é porque a indústria nacional vai desaparecer e não é só indústria, é o varejo, que por sua vez é um grande gerador de empregos, porque senão eu mesmo da Riachuelo, se isso não for corrigido, vou precisar estruturar uma operação de crossborder (vendas internacionais) para conseguir vender nos mesmos preços que as plataformas chinesas.
NOVO: Que impacto essa política de manter a isenção pode causar?
AF: Hoje, geramos no Brasil 28 mil empregos, dos quais 17 mil são empregos no varejo. Temos mais de 8 mil empregos na nossa fábrica, e mais uns 4 mil empregos que geramos em diversos locais. Mas o Remessa Conforme pode transferir esses empregos para China. Ao vender produto com uma carga tributária de 50%, 60% ou 70% menor, nós teremos uma transferência de emprego para fora do Brasil.
NOVO A preocupação do setor está bem clara com relação a esse assunto, mas o que o senhor sugere que seja feito, além da tributação? Sabemos de uma falha enorme na fiscalização? Além de apenas taxar, o que poderia ser feito?
AF: Em primeiro lugar, devemos buscar isonomia tributária, e aqui a gente tem duas formas. Aumenta os impostos em compras internacionais para que sejan isonômicos com quem não está fazendo crossboard (operações feitas com empresas fora do país), ou diminui os impostos de quem está aqui para a gente também ter preços mais competitivos. Eu assumo o compromisso aqui de baixar meus preços, e eles podem baixar em 30 a 40% se eu tiver a mesma carga tributária do crossboard. Então isso resolveria do ponto de vista de isonomia tributária. Do ponto de vista de fiscalização é difícil. Sabemo que para o governo nunca nada é suficiente, sempre falta gente, sempre falta o recurso. Sabemos que nos últimos anos a Receita Federal ficou melhor e ela consegue fazer crosscheck de cartão de crédito com imposto de renda da pessoa, provavelmente tem temas que com uso da tecnologia, você consiga fazer uma fiscalização melhor.
NOVO: A isenção existente hoje, na teoria é para transações entre pessoas físicas, mas na prática não é o que ocorre. É assim?
AF: É muito preocupante. Isso aí começou com muita fraude, e, se a gente tivesse feito isso no Brasil, provavelmente eu estaria preso, se eu tivesse com esse nível de fraude. Eu não consigo entender como o governo não fiscaliza, e depois ainda aprove regras que prejudicam muito a indústria e o setor de serviço nacional. Mas o outro ponto que gostaria de trazer. Nós sabemos que geramos 15 mil empregos diretos no Rio Grande do Norte. Temos 8 mil pessoas na nossa fábrica e cerca de 1 mil pessoas em distribuição, além de 1.500 pessoas no nosso call center. Trabalhamos com mais cerca de 100 oficinas de costura na região do Seridó, que geram também 4 mil empregos diretos, fora os indiretos. E o que acontece com esses empregos se nós, que produzimos, não temos condições competitivas igualitárias? Percebemos que é uma é uma retórica muito invertida, porque na verdade parece que não cobrarem imposto de produtos de baixo valor beneficia os pobres, mas na verdade, se isso for levado ao futuro, o pobre vai perder o emprego. As empresas, pela sua força, pela sua escala, elas acabam se reinventando e vão mudar essa produção para outro país. Gerar empregos, essa é a missão dessa empresa.
NOVO: Sobre os empregos aqui no RN e os possíveis impactos, a empresa já tem algum estudo sobre o que pode acontecer caso a isenção de taxas continue. O que pode acontecer com a Riachuelo?
AF: A gente sabe que não tem como competir pagando impostos de 80%, 90%, e até 100%, contra quem paga 17%, se é que paga. Isso, no longo prazo, se for institucionalizado, torna nossa matriz de produção local completamente inviável. A gente não está acreditando nisso. Acreditamos que o Brasil é um país complexo, que às vezes as coisas demoram, mas que o Brasil também é um país de instituições fortes e que em algum momento o bom senso volta, e a Riachuelo continua operando e apostando no Brasil, e continua apostando que essa injustiça vai ser retificada, que o governo vai atuar com consciência da direção certa. A gente não gostaria, nesse momento, de falar sobre fechamento de postos de trabalho, mas é inevitável se isso não for resolvido.
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