É comum ouvir das pessoas a lista de coisas que elas não gostam e não querem, como se a vida seguisse um roteiro parametrizado por esses balizadores do cotidiano. Não é. A vida se faz e se revela, apesar de toda a resistência e como bem diz o ensinamento bíblico, quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça. Ainda assim, é difícil conseguir tirar dessas mesmas pessoas uma lista, por menor que seja, daquilo que faz os olhos delas brilharem. 

Habituadas a uma rotina que pode facilmente ser comparada àquela do experimento que mostra o ratinho correndo atrás do próprio rabo, não dá tempo para racionalizar atividades, por mais sem sentido que elas sejam. Os contatos são cronometrados, as relações são vazias e protocolares porque, o mais importante, sob essa perspectiva, é antes mostrar que tem do que ser. Não dá tempo para pensar na falta de sentido que norteia as atividades de todos os dias em uma vida que, literalmente, se perde num jogo de farsas no qual todos os envolvidos perdem.

Em uma analogia com a alegoria da caverna de Platão, do livro sete de “A República”, esse tipo de vida é similar a dos escravos presos na caverna que só veem sombras e, por isso, não conseguem perceber que a realidade é muito maior do que àquela que está diante dos próprios olhos. 

A verdade está fora da caverna onde a realidade se faz. Mas, se alguém que já saiu de lá e viu o que origina cada sombra que se faz dentro da caverna volta pra dizer que aquilo se vê naquele ambiente  é uma farsa, gritos e agressões se sobrepõem a qualquer possibilidade de diálogo.

E esse é o roteiro inspirado na miopia que impede a contemplação de um mundo de possibilidades que, sim, são capazes de fazer o olhos de todo aquele que se permite sair e observar a realidade brilharem.

“No entanto, um homem sensato lembrar-se-á de que os olhos podem ser perturbados de duas maneiras e por duas causas opostas: pela passagem da luz à escuridão e pela da escuridão à luz; e, tendo refletido que o mesmo se passa com a alma, quando encontrar uma confusa e embaraçada para discernir certos objetos, não ser rirá totalmente, mas antes examinará se, vinda de uma vida luminosa, ela se encontra, por falta de hábito, ofuscada pelas trevas ou se, passando da ignorância à luz, está deslumbrada pelo seu brilho demasiado vivo.” Sócrates  em A República | Platão

Sair da caverna é constituir a si mesmo a partir de um emaranhado de informações e relações que se fazem por uma trama bem delineada de argumentos construídos a partir de dados e fatos consistentemente fundamentados e, sobretudo, reais. Essa experiência vai de encontro às futricas criadas por aqueles que só conseguem ver sombras, que, por natureza, são turvas, incompreensíveis e superficiais.

Pare de correr, observe, reflita e verá! Você tem tempo pra isso.

A beleza da construção de argumentos pode ser encontrada, por exemplo, nos textos daqueles que não só dominam a língua portuguesa, no nosso caso, mas que têm repertório suficiente, em consequência das experiências reais vivenciadas, para fazer inferências que àqueles que persistem em se manter na caverna não conseguem, ficando restritos, presos às repetições adjetivavas por incapacidade, mesmo, de ir além.

Ficar sob as sombras ou ver a luz é uma escolha que nos é dada todos os dias. E, não há dúvida, que só haverá brilho onde houver luz. 

“A educação é, pois, a arte que se propõe este objetivo, a conversão da alma, e que procura os meios mais fáceis e mais eficazes de o conseguir. Não consiste em dar visto ao órgão da alma, visto que ja a tem; mas, como ele está mal orientado e não olha para onde deveria, ela esforça-se por encaminhá-lo na boa direção. “ Sócrates em A República | Platão

Alegoria da caverna de Platão
A sombra produzida dentro da caverna não é sinônimo da realidade que se faz sob a luz

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