O estado do Prédio do extinto Diário de Natal durante ocupação do MBL, nesta segunda
Mesmo imóvel em 2015, mostrando que naquele ano o mesmo já encontrava-se destruído e abandonado

Um rolo compressor de críticas, revolta e indignação tomou conta de setores da sociedade natalense desde a manhã desta segunda-feira (29), contra a ocupação feita por um grupo de famílias sem teto, chamado Movimento de Luta de Bairros, Vilas e Favelas (MBL), de um imóvel urbano privado localizado na Avenida Deodoro da Fonseca, mais conhecido como o prédio que sediou o extinto jornal Diário de Natal.

A criminalização do movimento tomou um patamar mais intenso e agressivo, é claro, por conta das eleições municipais deste ano, com mira na candidatura do PT à Prefeitura de Natal. E o assunto ainda não saiu de pauta.

O que se questiona na grita amplificada contra a ocupação do MBL é o “direito à propriedade privada” que, segundo essas vozes e escritas, fica em risco iminente na capital potiguar por conta de um movimento de protesto feito por famílias que também reclamam por um direito constitucional, o da moradia.

O assunto é complexo e exige olhar atento, porque, de acordo com a lei, o direito à propriedade privada, ao contrário do direito à moradia reclamado pelo MBL, não é absoluto e admite restrições. A legislação diz que para um imóvel ser condiderado uma “propriedade privada” – rural ou urbana – ele precisa atender requisitos como, por exemplo, a “função social”. Neste caso, toda propriedade que não cumprir a função social tem como consequência a desapropriação pelo poder público. E a propriedade urbana só cumpre a sua função social quando seu uso é compatível com a infraestrutura, equipamentos e serviços públicos disponíveis e, simultaneamente, colabora para o bem estar da população como um todo.

Embora não seja a posse definitiva do prédio do Diário de Natal que o MBL queira – de acordo com o próprio grupo, a intenção das famílias é protestar contra a falta de moradia salubre prometida pelo Estado há quatro anos – chamou a atenção do Blog as imagens feitas sobre a ocupação desta segunda-feira e veio a pergunta: o imóvel em questão cumpre os requisitos previstos em lei para ser uma “propriedade privada”?

As fotos e videos feitos pela imprensa para mostrar a ocupação do MBL exibiram o local abandonado, com destroços, mato e com a infraestrutura muito comprometida. A ‘cara’ de um imóvel que não cumpre a função social exigida. E aí o Blog resolveu fazer uma pesquisa…

Uma reportagem publicada em 2015, com a manchete “O Descaso Com O Prédio Do Diário De Natal” e imagens do local (de 2011 a 2015) feitas por José Aldenir, para O Jornal de Hoje, e pelo Google Maps, relata que o prédio do extinto Diário de Natal já estava, naquele ano, “completamente abandonado” e cita fortes reclamações da vizinhaça.

“Pela cor dos ladrilhos, vermelho e azul, percebe-se que este prédio pertenceu ao extinto Diário de Natal, um dos mais tradicionais periódicos que o Rio Grande do Norte já teve, de propriedade dos Diários Associados, e fechou em outubro do ano de 2012. O prédio, localizado no final da Avenida Deodoro da Fonseca, está completamente abandonado”, diz a abertura da matéria, que segue o registrando:

“Os vizinhos do prédio tiveram que colocar blocos de tijolos nas principais entradas, pois o local estava sendo usado para abrigar usuários de drogas. O terreno totalmente deteriorado e tomado pelo mato. O problema fez com que os moradores ficassem inseguros, visto que o local se tornou um local para consumo e venda de drogas. Os moradores já tiveram que se juntar para fechar algumas partes do prédio que os usuários usavam para entrar no terreno. Mas, eles continuaram visitando o terreno e pulando o muro para entrar. Além disso, outra questão é a incidência de mosquitos, uma vez que o terreno acumula muito lixo. Já foram registrados casos de dengue na rua por causa da água da chuva que fica acumulada nos recipientes jogados lá dentro”, relata a repórter Lara Paiva, que ainda ressalta que “o abandono do prédio do Diário de Natal já foi retratado em diversas reportagens da mídia local, como o jornalista Saulo de Castro mostrou muito bem no Portal No Ar”.

Prédio do Diário de Natal em 2011 e 2014. Foto: José Aldenir

(matéria completa em https://brechando.com/2015/11/24/o-descaso-com-o-predio-do-diario-de-natal/)

Ou seja, as imagens atuais e antigas, que são de conhecimento público, revelam um abandono do imóvel há pelo menos uma década, tendo sido objeto de reclamações de moradores das proximidades inúmeras vezes por causa de transtornos provocados pelo descaso.

A empresa dona do prédio reclamou da ocupação do imóvel e já entrou na Justiça com pedido de reintegração e expulsão das famílias.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu há alguns anos que se uma invasão de imóvel ocorre no contexto de movimento popular, pressionando o Governo para cumprir o direito à moradia, ela deve ser chamada de OCUPAÇÃO. De acordo com o STJ não há crime contra o patrimônio dessa forma.

E é exatamente de um movimento popular que se trata a ocupação do MLB no prédio do antigo Diário de Natal.

Para o leitor do blog tomar conhecimento sobre as regras aplicadas à ocupação de imóvel que não cumpre a função social, seguem trechos de artigo publicado pelo JusBrasil sobre o assunto 👇

“Invasão de domicílio em propriedade particular, rural, urbana, abandonada é crime? Em nosso país a invasão de propriedade privada particular, rural ou urbana só é considerada crime quando tratamos de residência habitada (onde moram pessoas)”.

“É considerada invasão criminosa aquela que se dá em “CASA ALHEIA ou em suas DEPENDÊNCIAS”, o que como já dissemos não se refere a qualquer tipo de propriedade, mas àquelas que estiverem sendo devidamente habitadas ou utilizadas para fins permitidos em lei”.

“Como visto acima, a invasão só será crime se tratarmos de um imóvel em que o proprietário ou alguém autorizado resida ou exerça atividades profissionais ou de ocupação. Portanto, se o imóvel é utilizado para fins residência e moradia, atividades profissionais, ou até mesmo, para qualquer finalidade permitida por lei, estaremos diante de uma invasão de domicílio”.

“Já se o imóvel não for considerado um domicílio não haverá a incidência de crime e estaremos falando de uma invasão não criminosa, ao que a lei oferece outros tipos de proteção”.

“Sobre a invasão, é de saber que a lei não concede valor absoluto à propriedade, devendo o proprietário utilizar do bem que possui como um instrumento de contribuição ao desenvolvimento da sociedade e a isto o direito chama de Função Social da Propriedade, com previsão no art. 5º, XXIII da Constituição Federal de 1988:

Art. 5º. XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;

Por esta razão o mesmo tipo de proteção a um imóvel habitado não se dá a um imóvel abandonado.

Isso pode se dar por diversos motivos, sendo os mais corriqueiros a incerteza fundiária, o descuido intencional ou a mera desídia. Na primeira situação normalmente existe conflito entre herdeiros e/ou eventuais compradores, de maneira que a titularidade ou a gestão do bem se encontra indefinida; na segunda o proprietário; na segunda o proprietário de um imóvel restrito por tombamento ou cláusula de doação tenta ocasionar a sua demolição por meio de omissões continuadas, pois o terreno nu representa maior valor de negócio; e a terceira é o abandono por mera falta de interesse ou mesmo irresponsabilidade.

Independente de motivação, o fato é que tais bens não cumprem a sua função social, uma vez que o abandono resulta em problemas de ordem ecológica, estética, sanitária e de segurança. Com efeito, um imóvel em descaso é abrigo para marginais das mais variadas espécies, centro para consumo de drogas e vetor de disseminação de doenças – isso para não falar no acúmulo de sujeira e na poluição visual gerados, dentre outros problemas”.