Opinião

Preparado Haddad ao Financial Times: “Brasil está bem posicionado para enfrentar guerra comercial”

“Acho que temos uma boa equipe, um bom carro e, quem sabe, um bom piloto”, disse o ministro da Fazenda

por: Foto do autor Daniela Freire

Publicado 30 de março de 2025 às 23:28

Financial Times

O Brasil está bem posicionado para enfrentar uma guerra comercial como um dos principais exportadores de commodities vitais com fortes vínculos com os três maiores blocos econômicos do mundo, disse o ministro das Finanças, Fernando Haddad.

“O Brasil está em uma situação privilegiada”, ele disse ao Financial Times em uma entrevista antes de uma viagem à Europa. Haddad disse que tinha grandes esperanças em um acordo de livre comércio firmado entre a UE e os países sul-americanos, enquanto também se gabava de um “excelente relacionamento bilateral” com a China e chamava os EUA de “um parceiro histórico”.

Haddad, ex-acadêmico e aliado de longa data do veterano presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva, foi escolhido para supervisionar a maior economia da América Latina quando Lula retornasse ao poder em 2023.

Não havia “nenhuma chance”, disse ele, de o Brasil escolher um lado entre a China e os EUA, seus primeiro e segundo maiores parceiros comerciais.

Mas também teria como objetivo abrir-se a novos mercados, disse ele, observando que Lula “trabalhou muito pessoalmente” para selar o acordo de sucesso do grupo comercial do Mercosul com a Europa, que foi assinado em dezembro após mais de 20 anos de negociação, mas ainda aguarda ratificação.

O acordo entre a UE e o bloco do Mercosul — que compreende Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai — elimina tarifas sobre 90% do comércio bilateral, mas deve superar a resistência de alguns estados-membros da UE, incluindo França e Polônia.

“Eu realmente acredito que chegou a hora, pois acredito que a Europa percebe que também não tem outro caminho”, disse Haddad. “Não se trata de se afastar da China, dos Estados Unidos… mas temos que criar novos espaços.”

O Brasil é um dos maiores exportadores de alimentos do mundo, e Haddad destacou a crescente importância de sua indústria de processamento. “O Brasil não é mais apenas o celeiro do mundo. O Brasil está se transformando em parte em uma espécie de supermercado do mundo”, disse ele.

A Casa Branca nomeou o Brasil entre os países que cobram altas taxas sobre produtos dos EUA, mas o país ainda não foi atingido por medidas específicas e o presidente Donald Trump mal mencionou o país desde que assumiu o cargo pela segunda vez.

Lula tem sido cuidadoso para evitar conflito aberto com Washington, embora tenha prometido reclamar à Organização Mundial do Comércio sobre a tarifa de 25% de Trump sobre todas as importações de aço.

Trump está tentando reverter os déficits comerciais dos EUA com outros países, mas Haddad destacou que o Brasil é uma das poucas grandes economias com as quais Washington tem um superávit em bens, que atingirá US$ 7,4 bilhões em 2024.

Ele também insistiu que os impostos de importação efetivos do Brasil sobre produtos dos EUA eram muito menores do que os números oficiais devido às isenções para produtos específicos.

Haddad chega à França na segunda-feira e se mostrou otimista sobre as relações comerciais do Brasil com seus parceiros no continente. “Especialmente desde os episódios recentes que sugerem que a Europa está de volta ao jogo e tentará reagir ao seu emparedamento cultivando o multilateralismo”, disse ele.

Em casa, Haddad supervisionou um crescimento do PIB mais forte do que o previsto, baixo desemprego e uma reforma histórica para simplificar o sistema tributário notoriamente complexo do Brasil. Mas ele está sob pressão da classe empresarial sobre as frágeis finanças públicas e de membros de esquerda de seu próprio partido, que resistem a cortes de gastos.

As preocupações dos investidores sobre o alto déficit orçamentário nominal — em 8% do PIB no ano até janeiro — e a dívida desencadearam uma queda na moeda brasileira em 2024, enquanto a popularidade de Lula foi prejudicada pela inflação que está ultrapassando o teto da meta de 4,5%.

Críticos dizem que os gastos excessivos do governo estão complicando a tarefa do banco central, que aumentou as taxas de juros para 14,25%.

[30/03, 23:17] Dani Freire: Haddad disse que o setor financeiro estava excessivamente pessimista desde a vitória eleitoral de Lula. Alguns gestores de ativos que apostaram contra o governo “perderam dinheiro”, disse ele. “Eles estão chateados porque o governo deu certo.”

Ele insistiu que foi duro com os gastos, cortando R$ 35 bilhões (US$ 6,1 bilhões) do orçamento no ano passado, e disse que o governo continuava a endireitar as finanças públicas. As previsões do FMI, no entanto, mostram que a dívida bruta do governo brasileiro aumentará de 87,6% do PIB no ano passado para 97,6% em 2029.

Questionado se o governo tinha o déficit fiscal sob controle, ele respondeu que essa era uma pergunta que não fazia sentido. “O ministro das finanças é como um sujeito em um cockpit de Fórmula 1 no meio de uma corrida… você não liga para ele e pergunta se tudo está sob controle”.

“Acho que temos uma boa equipe, um bom carro e, quem sabe, até um bom piloto.”