Nos últimos cinco anos, os atendimentos hospitalares envolvendo traumatismos e politraumatismos aumentaram 140% no Rio Grande do Norte, segundo dados do Ministério da Saúde. A estatística aponta para 5 mil casos envolvendo algum tipo de trauma nas unidades potiguares somente em 2023.
De acordo com os números do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), os hospitais potiguares registram 1.990 politraumatizados e 3.027 traumatizados entre os meses de janeiro a julho de 2023. O número representa 23,7 atendimentos por dia, o que representa quase um novo caso cada hora. O NOVO analisou os dados das Autorizações de Internação Hospitalar (AIH) fornecidos pelas instituições de saúde, sejam públicas ou particulares, para a cobrança dos gastos com um paciente internado no Sistema Único de Saúde (SUS).
Comparando com 2022, o número de atendimentos cresceu 17%. No ano passado, entre janeiro a julho, os hospitais potiguares somaram 4.254 casos de traumas e de politraumas. Em 2018, foram 2.089 atendimentos.
Os procedimentos de traumas e politraumas envolvem casos de lesões, sejam elas por acidentes domésticos, trabalho, trânsito, entre outras formas de evento traumático externo ao corpo.
No Rio Grande do Norte, o serviço está concentrado no Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel, maior unidade hospitalar do estado, que canaliza 85% de todos atendimentos envolvendo traumatologia. Em 2023, o hospital recebeu pacientes de 118 dos 167 municípios potiguares.
Ainda segundo os dados do Datasus, os casos de traumas e politraumas de 2023 representaram um total de R$ 4,3 milhões ao SUS. Em cinco anos, este serviço consumiu mais de R$ 20 milhões. De acordo com os dados, 27% dos casos de traumas e politraumas em 2023 estão relacionados com algum tipo de acidente de trânsito. Os hospitais registraram 1.360 casos de acidentes de trânsito que levaram a algum tipo de procedimento para traumas este ano.
O crescimento nos casos de trauma coincide com o aumento nos acidentes de trânsito nas rodovias federais no Rio Grande do Norte. Em 2023, entre janeiro a junho deste ano, foram registrados 543 acidentes, segundo dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT). O número é 13% maior que o mesmo período de 2022, com um total de 477 acidentes.
Obra do novo hospital de traumas começa em 2024
Segundo a Secretaria Estadual de Saúde Pública (Sesap), desde meados de 2021, a rede de atendimentos de trauma, especialmente ortopédicos, em todo o estado, passa por reestruturação. A ação envolve, além de reforço no próprio Walfredo Gurgel, os hospitais regionais de Mossoró, Pau dos Ferros, Assu e Caicó.
A medida representou um aumento de 15% nos procedimentos cirúrgicos ortopédicos, por exemplo, além de proporcionar que a rede no interior realize hoje mais atendimentos – cerca de 10 mil no primeiro semestre – do que o Walfredo Gurgel, criando uma espécie de “barreira sanitária ortopédica”.
Como reforço aos atendimentos no Walfredo Gurgel, a Sesap abriu recentemente 20 leitos para atendimento exclusivo de trauma ortopédico no Hospital Deoclécio Marques de Lucena, em Parnamirim, que é a unidade de retaguarda do Walfredo Gurgel. Outros 15 leitos serão abertos em breve no 5º andar do hospital, que foi reformado recentemente.
No último dia 21 de setembro, a governadora Fátima Bezerra assinou a ordem de serviço que autoriza o início das obras de reforma, ampliação e readequação de cinco hospitais públicos do estado. O investimento total é de R$ 20,8 milhões e o prazo médio para conclusão é de um ano.
Apenas no Hospital Walfredo Gurgel serão investidos R$ 9 milhões na reforma e ampliação da unidade. Entre as obras previstas está a construção de um novo centro cirúrgico, que vai duplicar a capacidade atual de atendimentos da unidade.
Em relação ao Hospital de Trauma, projeto incluído no PAC do Governo Federal, a Sesap está em diálogo permanente com o Ministério da Saúde para desenvolvimento do projeto. A modelagem prévia do hospital já foi construída pela equipe técnica da Sesap e aguarda aprovação para seguimento do projeto.
O projeto objetiva atender demandas de média e alta complexidade hospitalar e ambulatorial, da linha de traumato-ortopedia e neurocirurgia, com cerca de 350 leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) geral adulto, pediátrica, clínicos e cirúrgicos (adulto e pediátrico). Valor estimado do Investimento em R$ 190 milhões; Situação: elaboração do projeto.
Ministério Público recomenda transferência de pacientes em macas
O Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN), através da 47ª Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde em Natal, iniciou uma série de medidas para garantir que pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) que necessitam de procedimentos ortopédicos não sejam mais acomodados em macas nos corredores do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel. No último dia 20 de outubro, o MPRN emitiu uma recomendação direcionada às Secretarias de Saúde do Estado e de Natal para que adotem medidas imediatas para transferir esses pacientes para prestadores de serviços de traumato-ortopedia.
Em decorrência dessas ações, o Rio Grande do Norte anunciou a abertura de uma enfermaria de ortopedia no 5º andar do Hospital Walfredo Gurgel. Além disso, a Clínica Paulo Gurgel e o hospital Memorial ampliaram o número de vagas em ortopedia após uma decisão judicial, embora tenham enfrentado limitações financeiras no contrato com o Município de Natal.
Promotora cobra ampliação da rede de atendimento para traumas
A atual rede de atendimento para procedimentos de trauma no estado enfrenta desafios significativos, como destacou a promotora Rosane Moreno, coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (Caop-Saúde). Ela aponta que as unidades hospitalares que cuidam de casos de trauma são insuficientes para atender toda a população potiguar. Ela diz que a concentração resulta em uma sobrecarga nos hospitais de referência, como o Hospital Walfredo Gurgel e o Hospital Regional Tarcísio Maia (Mossoró).
A promotora aponta ainda a falta a escassez de estruturas de urgências municipais para atender a população. Segundo a promotora, o aumento de acidentes de trânsito, especialmente de motocicletas, aumentaram a demanda por serviços de saúde de traumatologia no Rio Grande do Norte.
Confira a entrevista da representante do Ministério Público do Rio Grande do Norte:
Como o Ministério Público analisa a atual rede de atendimento para procedimentos de trauma?
R: Infelizmente, as unidades hospitalares que atendem ao trauma ainda são insuficientes para atender toda a população. No nosso estado, o atendimento nessa linha de cuidado se concentra em poucas cidades, o que resulta na lotação dos hospitais de referência, como o Hospital Walfredo Gurgel e o Hospital Regional Tarcísio Maia. Eles acabam recebendo a demanda de diversos municípios, inclusive demandas de baixa complexidade, tornando o espaço físico e equipes de saúde insuficientes para atender com a celeridade necessária todos os pacientes. É preciso entender que a população do estado ampliou, com um maior número de idosos, devido ao aumento da expectativa de vida no país, o que gera um maior número de pacientes de todos os agravos, inclusive vítimas de acidentes de todas as naturezas, especialmente domésticos. Além disso, um maior acesso aos meios de transporte individuais, notadamente motos, aumentou o número de acidentes de trânsito. Tudo isso cria a necessidade para o Poder Público de ampliar seus serviços de saúde, que se tornaram insuficientes para atender essa demanda.
Como o Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (Caop Saúde) atua nessas questões?
R: O Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (Caop-Saúde) é o órgão do Ministério Público Estadual criado para dar apoio e suporte às Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde, oferecendo orientações técnicas, promovendo articulação interinstitucional, apoiando na realização de audiências, na confecção de peças jurídicas e, ainda, na busca pela auto composição com os gestores de saúde. Nesse contexto, o CAOP Saúde vem apoiando a 47ª Promotoria de Justiça de Natal, órgão de execução que atua, especialmente, em matéria de alta complexidade ambulatorial e hospitalar na macrorregião de Natal, o que engloba o Hospital Walfredo Gurgel.
Os procedimentos de trauma e politrauma ficam concentrados em Natal e, principalmente, no Hospital Walfredo Gurgel. O que isso traz de prejuízo para o atendimento à sociedade potiguar?
R: A concentração do grande número de atendimentos em poucas unidades hospitalares causa uma sobrecarga, principalmente pelo fato de que engloba atendimentos de alta, média e baixa complexidade. A ausência de outras Portas de Urgências com capacidade de atender ao menos a baixa complexidade, concentra todo o atendimento do trauma em poucos hospitais, especialmente no Hospital Walfredo Gurgel, que deveria estar direcionado para os casos mais graves. Além da demora no atendimento e da ausência de leitos disponíveis, a população sofre pelo fato de ter que se deslocar muitos quilômetros em busca de atendimento. Registra-se também que, em muitos casos de trauma, os pacientes dos planos de saúde também são atendidos em unidades públicas de saúde.
Ainda com relação ao número excessivo de casos atendidos pelo Walfredo Gurgel, os municípios potiguares negligenciam os procedimentos de trauma?
R: As Portas de Urgência Municipais não dispõem de capacidade para atender ao trauma, nem mesmo de baixa complexidade. Nesse sentido, a implantação de serviços para atendimento das demandas menos graves, ao menos regionais e cofinanciados por vários municípios, seria uma ótima estratégia para a diminuição do número de pacientes no Hospital Walfredo Gurgel, direcionando a sua capacidade instalada para os casos mais graves.
O que deve ser feito para reduzir o número de casos de traumas e politraumas? O MPRN apoia ações de educação no trânsito?
R: A própria SESAP e o Hospital Walfredo Gurgel detêm os dados das maiores causas de traumas atendidos pelo hospital. Com base nessa informação, é importante que outros órgãos trabalhem para atuar na prevenção dessas causas, como ocorre com os acidentes domésticos de idosos e de trânsito. Atualmente, a 49ª Promotoria de Justiça de Natal atua na temática do trânsito, inclusive com ações voltadas para a educação.
Passados três meses do pedido feito à SESAP para a redução dos pacientes nos corredores do Hospital Walfredo Gurgel, como o MPRN analisa as ações do Governo do Estado para ampliar os atendimentos aos pacientes?
R: O MPRN analisa de forma positiva o esforço da SESAP para retirar os pacientes dos corredores, já que, por meio de acordo com o Ministério Público, a SESAP tem ampliado o número de leitos no Hospital Walfredo Gurgel e no Hospital Deoclécio Marques. No entanto, não se pode afirmar que a problemática está solucionada, considerando que, mesmo em um número menor, ainda é possível observar pacientes aguardando atendimento nos corredores do hospital. Nesse sentido, o Ministério Público permanece vigilante e em busca de uma solução definitiva.
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