Paciente em acompanhamento clínico com psicóloga para investigação do autismo – Foto: Dayvissom Melo/NOVO Notícias

Há alguns anos, encontrar ou conhecer alguém com Transtorno do Espectro Autista (TEA) não era tão comum. Mas essa realidade está mudando, e vem se tornando cada vez mais presente no círculo familiar ou de amigos, seja adulto ou criança.

Engana-se quem acha que toda pessoa com TEA é igual, pois o espectro possui diferentes padrões de comportamento e diversos graus de dificuldade de comunicação e interação social. O que para uns pode ser uma grande dificuldade, para outros pode ser simples, como conversar com estranhos, olhar nos olhos ou até mesmo amarrar o cadarço do próprio tênis.

Iandra Talita é a mãe do pequeno Yaan Silva, de apenas quatro anos. Ele foi diagnosticado com autismo com apenas um ano e três meses. O diagnóstico veio após a mãe perceber que o filho tinha comportamentos diferentes de outras crianças da mesma idade. “Eu comparava muito, e achava ele diferente. A filha de uma amiga minha falava, batia palmas, dava ‘tchau’, e Yaan não fazia essas coisas. E ele também não andava, só na pontinha dos pés. Aí surgiu o alerta”, contou a autônoma.

A mãe então decidiu marcar um neurologista para investigar se o filho tinha autismo ou não. “O médico passou uns exames e já passou a terapia com a fonoaudióloga. Quando voltamos pra consulta, ele disse: ‘seu filho é autista’”, disse Iandra.

Desde então, a mãe do Yaan conta que vem aprendendo a lidar com o diagnóstico do filho, mas a maior dificuldade é com as outras pessoas. “A gente vai para as terapias toda semana… quando muda alguma coisa na rotina dele, ele chora, entra em crise… mas a minha maior dificuldade é com o ser humano, com as pessoas que não estão preparadas, não entendem o autista”, revelou.

Outro diagnosticado com o TEA ainda bebê foi o Arthur Guilherme, de apenas três anos. De acordo com a mãe dele, a técnica em enfermagem Iradeyse Alves, as suspeitas surgiram pois o garoto tinha um comportamento “diferente”.

“Ele não tinha sorriso social, nem interagia comigo ou com o pai. Tinha apenas crises de riso fora de hora, assim como de choro”, detalhou Iradeyse.

A mãe contou que a rotina é pesada, mas afirmou que ver que o tratamento adequado está estimulando o comportamento e a interação do Arthur é recompensador. “A rotina da família virou de ponta cabeça, pois temos que dar conta de ir a terapia todos os dias, levar pra escola, pra fono, pra terapia ocupacional. Ser mãe de um autista também é gratificante, pois aprendemos muito sobre o amor e sobre a força que um ser tão pequeno tem”, contou.

O número de pessoas em investigação para o diagnóstico do TEA vem aumentando em Natal. Em uma clínica particular da cidade, houve uma explosão no número de atendimentos após a pandemia.

Davi (nome fictício dado a um dos pacientes da clínica) está prestes a completar três anos de idade e vem fazendo acompanhamento clínico para investigação do autismo. De acordo com a mãe dele, as suspeitas surgiram por causa da introspecção do filho. “Ele nasceu prematuro, mas não teve atraso de desenvolvimento em nada. Falou no tempo certo, engatinhou no tempo certo, andou no tempo certo… mas quando ele fez um ano e meio, percebemos que ele não estava se esforçando para falar ou imitar sons. Aí começamos a desconfiar. Fora que ele tem um tio que é um ano mais velho que ele e foi diagnosticado com autismo. Então a gente meio que comparava os comportamentos”, contou.

A família, então, procurou uma neurologista para investigar o que o filho poderia ter. “Ele não mantinha contato visual, balançava muito os braços quando ficava eufórico, não se interessava em olhar pra gente ou não respondia quando a gente chamava pelo nome. Então procuramos a neuro e começamos a terapia todos os dias”, detalhou.

Causas multifatoriais

A psicóloga e analista comportamental Francisca Yasmim explicou que um dos motivos para esse aumento na procura pelo diagnóstico foi a pandemia da covid. Segundo ela, esse período de isolamento permitiu que as famílias se observassem mais. “As pessoas ficaram mais dentro de casa, com os olhares voltados para as crianças e adolescentes, e isso fez com que elas procurassem ajuda profissional”, disse.

No entanto, a neurologista Celina Reis explicou que a pandemia pouco tem a ver com o surgimento de novos casos, apenas com a identificação deles. “A justificativa desse aumento está em variações genéticas, influências ambientais e mudanças nos critérios de diagnósticos. O que aconteceu na pandemia é que crianças que estavam em seu desenvolvimento típico, ou não, foram expostas a um processo de isolamento social, ficando com menos estímulos globais, com redução de atividades físicas, esportes, exposição social com a família e na escola. Então, a criança que já apresentava um perfil de TEA, com um quadro clínico discreto, teve isso tudo evidenciado diante da redução de estímulos. O fator ambiental, de isolamento e distanciamento, colaborou para que o quadro clínico que já estava ali ficasse mais evidente. Mas apenas o fator ambiental, como o isolamento social, não causa TEA”, explicou a especialista.

Ainda de acordo com Celina Reis, a causa do autismo é multifatorial, com um componente genético marcante. “Algumas crianças apresentam alterações genéticas. Porém, muitas não apresentam anormalidades na investigação genética. De fato, há uma incidência maior em crianças cujos familiares apresentam também o TEA ou o fenótipo ampliado do TEA (pessoas com traços ou características marcantes, mas que não possuem TEA)”, detalhou.

Importância do diagnóstico

O diagnóstico do TEA não é simples e, até o momento, só é possível ser feito depois que a criança nasce, pois é necessário uma série de exames e análises de comportamento.

“Há muitos estudos relacionados a possíveis exames para auxiliar no diagnóstico de TEA, mas ainda não existem marcadores biológicos, então não há um único exame para se fazer.. Alguns estudos são promissores, inclusive um deles que conduzimos no Instituto Santos Dumont, que é para estudar o padrão de rastreamento do olhar das crianças. Alguns estudos sugerem que a pessoa com TEA tem um rastreamento ocular diferente. Elas olham menos para os olhos e captam menos os estímulos faciais que dão informações sobre os estados emocionais. Então podemos fazer esses estudos a partir do eye-tracking. Alguns estudos mais avançados já estão fazendo esse rastreamento em bebês, tentando identificar comportamentos ou modelos de rastreamento ocular que, porventura, já estejam alterados nos primeiros meses de vida”, contou.

Os atendimentos de pessoas com autismo no ISD acontecem por meio do Centro Especializado em Reabilitação (CER), vinculado ao(SUS. Lá, crianças de 6 a 12 anos são encaminhadas para avaliação neuropsicológica para auxiliar no diagnóstico. Já crianças de 0 a 5 anos são encaminhadas para Avaliação Global do ambulatório de Autismo. As triagens são anuais, de janeiro a maio. Para isso, os interessados devem morar em Natal, Macaíba, São Gonçalo do Amarante, Extremoz e Parnamirim.
Também no ISD há o Projeto TEApoiar, destinado a familiares que precisam de orientações multiprofissionais nas áreas de atividade de vida diária, comunicação, comportamento, nutrição e qualidade de vida. Na capital potiguar, a média de pessoas com autismo que fazem acompanhamento na rede municipal de saúde é de 270 pessoas.