Questões jurídicas: “Posso ser demitido por ser de esquerda?”

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Direito trabalhista “Posso ser demitido por ser de esquerda?”, entenda

Empresas brasileiras são proibidas por lei de demitir um funcionário por expressar opinião política nas redes sociais ou fora delas, desde que não haja incitação a crime ou violência; empregador pode ser multado e condenado na justiça

por: NOVO Notícias

Publicado 22 de setembro de 2025 às 16:00

Bem, se o título da reportagem chamou a atenção e você quer a resposta de bate-pronto: não, não pode. Nos últimos dias, políticos e empresários deflagraram uma campanha nas redes sociais para impelir a demissão de trabalhadores considerados de “esquerda”. Entretanto, as empresas brasileiras são proibidas por lei de demitir um funcionário por expressar opinião política nas redes sociais ou fora delas, desde que não haja incitação à violência.

A prática, prevista na Lei nº 9.029, de 1995, é conhecida como dispensa discriminatória e pode gerar condenações para o empregador na Justiça do Trabalho. Além da reintegração do profissional, em caso de afastamento, há a previsão de multa no valor de duas vezes o salário pelo período de afastamento, mais juros e correção monetária. Por fim, ainda cabe indenização por dano moral.

Segundo a procuradora do Trabalho Christiane Alli Fernandes, atual coordenadora regional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho e da Saúde do Trabalhador (CODEMAT), a legislação prevê ainda multas pesadas para a empresa, correspondentes a dez vezes o maior salário pago, além da proibição de obter financiamentos em instituições oficiais. “A medida reforça que o espaço de trabalho deve ser de respeito à liberdade de opinião e à democracia, não de perseguição ideológica”, justifica.

Fernandes ressalta que a discriminação no ambiente de trabalho é uma grave violação aos direitos fundamentais, e isso, pontua ela, inclui situações motivadas por orientação política. “A Constituição Federal assegura o pluralismo político e a dignidade da pessoa humana como fundamentos do Estado Democrático de Direito, e tais valores devem ser respeitados também nas relações de trabalho”, ressalta.
Contudo, nos últimos dias, o movimento “demita um extremista” ganhou tração após a morte do ativista pró-Donald Trump, Charlie Kirk, assassinado durante um evento em uma universidade norte-americana no dia 10 de setembro. Nos Estados Unidos, empresas dispensaram ou afastaram quem fez postagens consideradas ofensivas ou jocosas sobre o caso.

No Brasil, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) utilizou suas redes sociais para incitar empresas a demitirem trabalhadores que sejam de “esquerda”. Outro expoente da campanha é empresário Tallis Gomes, fundador da Easy Taxi e da Singu, que publicou um vídeo encampando o movimento #DEMITAUMEXTREMISTA, para que empresas demitam o que ele classifica como “extremistas ideológicos”.

No Rio Grande do Norte, o Ministério Público do Trabalho (MPT) informou que não recebeu denúncias sobre o incentivo à demissão de trabalhadores com determinado posicionamento político.

A procuradora Christiane Alli Fernandes detalha, ainda, que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) veda práticas discriminatórias. “Negar uma contratação em razão da posição política de uma pessoa, exigir manifestação de apoio a determinado partido ou ideologia como condição de emprego; retaliar, humilhar ou isolar trabalhadores em razão de suas opiniões políticas; ou demitir empregado em razão de suas preferências ou convicções políticas pode configurar ato discriminatório, com consequências jurídicas sérias”, complementa a procuradora.

Liberdade de expressão

O advogado trabalhista Faber Mesquita, vice-presidente da Comissão da Advocacia Trabalhista da OAB/RN, destacou que, desde 1995, a Lei nº 9.029 proíbe práticas discriminatórias por parte do empregador. Dessa forma, trabalhadores não podem ser penalizados apenas por manifestar suas convicções. Caso isso ocorra, a Justiça do Trabalho pode ser acionada e, se a conduta for considerada cultural dentro da empresa, o Ministério Público do Trabalho (MPT) pode instaurar inquérito civil.

Ele ressalta, ainda, que a liberdade de expressão é um direito constitucional, mas não é absoluta no ambiente de trabalho. Mesquita explica que manifestações políticas que causem tumulto, ofensas a colegas ou à empresa, ou incitem a crimes, permitem a intervenção do empregador.

Advogado trabalhista Faber Mesquita, vice-presidente da Comissão da Advocacia Trabalhista da OAB/RN

“A partir do momento em que essa expressão da opinião política começa a gerar tumulto no ambiente de trabalho, começa a gerar conflito, começa a gerar ofensas a colegas de trabalho e também à empresa, ou começa a gerar incitação e apologia a crimes, o empregador pode sim intervir e, inicialmente, chamar a atenção dos empregados que estão causando esse tipo de situação. Caso essas condutas permaneçam, o empregador poderia sim aplicar punição aos empregados”, afirma o advogado.

Ele também destacou que a responsabilidade não se restringe ao espaço da empresa. Publicações em redes sociais feitas com o uniforme da organização ou que prejudiquem sua imagem, mesmo fora do expediente, podem resultar em punições. “O ponto crucial é a relação da conduta com a imagem da empresa e o potencial de gerar danos”, explicou Faber Mesquita.

De acordo o advogado, a cautela devem nortear as manifestações dos trabalhadores, já que a liberdade de expressão não pode servir de justificativa para práticas que violem direitos de terceiros ou afetem a reputação da instituição empregadora.