Para manter a pesquisa, Silvana viveu no Sertão do Rio Grande do Norte por três anos - depois, passou a morar no interior da Paraíba, onde descobriu outras doença - MARIANA CASTIÑEIRAS/BBC
Síndrome Spoan foi descoberta pela geneticista Silvana Santos após anos de pesquisa em Serrinha dos Pintos, cidade marcada por casamentos consanguíneos e casos de deficiência sem diagnóstico
Publicado 5 de abril de 2025 às 07:07
Uma síndrome genética rara até então desconhecida pela medicina foi identificada no início dos anos 2000 na cidade de Serrinha dos Pintos, no Alto Oeste do Rio Grande do Norte, pela bióloga e doutora em genética Silvana Santos. A doença, batizada como síndrome Spoan, provoca o enfraquecimento progressivo dos membros e afeta o sistema nervoso central. O quadro atinge majoritariamente moradores da região, onde é comum o casamento entre parentes.
A descoberta ocorreu após a pesquisadora paulista se aproximar de famílias originárias da cidade que viviam na mesma rua que ela, em São Paulo. Intrigada por relatos sobre vários moradores que perderam a capacidade de andar ainda na infância, Silvana passou a investigar os casos. A pesquisa revelou que os pacientes apresentavam uma mutação genética herdada de forma recessiva — ou seja, transmitida por ambos os pais — e concentrada em um grupo específico da população.
Três anos no RN
Para entender a origem do problema, Silvana viajou diversas vezes até o Rio Grande do Norte. A pesquisadora viveu por três anos no Sertão potiguar e atualmente é professora da Universidade Estadual da Paraíba, de onde segue acompanhando as famílias afetadas. Em 2005, a síndrome Spoan foi descrita pela primeira vez em publicação científica do Annals of Neurology, com base nos estudos do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo (USP). Desde então, 82 casos foram confirmados no mundo, sendo 70 deles na região do Alto Oeste Potiguar, incluindo 18 em Serrinha dos Pintos.
A síndrome causa atrofia muscular, rigidez nos membros e um movimento involuntário nos olhos. Embora não haja cura, o diagnóstico precoce permite orientar melhor as famílias quanto à evolução da doença. Antes da pesquisa, os moradores conviviam com a ausência de explicações clínicas e usavam o termo “aleijado” para se referir aos afetados. Hoje, falam em “Spoan” com propriedade.
Segundo estudos posteriores, mais de 30% dos casais em Serrinha dos Pintos são consanguíneos. Destes, um terço teve ao menos um filho com deficiência. A combinação entre o isolamento geográfico e uma população formada por poucos troncos familiares contribuiu para o surgimento da mutação. A análise do gene responsável — o KLC2, localizado no cromossomo 11 — revelou uma falha no código genético, possivelmente trazida por antigos colonizadores portugueses.
A presença da síndrome levou o Instituto Nacional de Genética Médica Populacional a incluir o município no Censo Nacional de Isolados (Ceniso), que mapeia regiões com alta incidência de doenças genéticas. Os dados reforçam que o Nordeste brasileiro concentra o maior número de casos desse tipo no país.
Bióloga é escolhida entre as 100 mulheres mais inspiradoras e influentes do mundo
A bióloga Silvana Santos, professora da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), foi incluída na lista das 100 mulheres mais inspiradoras e influentes do mundo em 2024, segundo a British Broadcasting Corporation (BBC). O reconhecimento se deve à sua contribuição científica no estudo de doenças genéticas raras em comunidades rurais e isoladas do Nordeste brasileiro.
Doutora em Genética pela Universidade de São Paulo (USP), Silvana liderou uma pesquisa que identificou a síndrome Spoan, acrônimo em inglês para “paraplegia espástica, atrofia óptica e neuropatia”. A doença é neurodegenerativa, hereditária e provoca paralisia progressiva. O trabalho teve início há cerca de 20 anos, após a pesquisadora descobrir, em São Paulo, uma família com histórico da doença originária de Serrinha dos Pintos, no Rio Grande do Norte.
Desde então, Silvana percorreu mais de 30 municípios, entrevistou cerca de mil famílias e visitou centenas de domicílios, acompanhada de suas duas filhas. Os estudos permitiram a descoberta da mutação no gene KLC2, envolvido na produção da proteína cinesina, responsável pelo transporte de substâncias nos neurônios.
O trabalho contou com a colaboração do estudante Uirá Souto Melo, durante seu doutorado, e da professora Lúcia Inês Macedo de Souza. Ambos fazem parte do grupo de pesquisa da UEPB. A descoberta foi publicada em revistas científicas e levou à criação de protocolos de atendimento para famílias afetadas pela síndrome.
Além da Spoan, a docente também orientou pesquisas que resultaram na identificação de dois novos genes ligados à deficiência intelectual — MED25 e IMPA1 — em famílias consanguíneas do Sertão paraibano. Esses achados compuseram o doutorado da pesquisadora Thalita Figueiredo, que recebeu menção honrosa no Prêmio Capes de Tese.
Silvana destacou que a pesquisa pode contribuir para a formulação de políticas públicas e para a expansão de serviços especializados em Genética Médica na região Nordeste. Atualmente, esses serviços estão concentrados no Sudeste do país.
Professora da UEPB desde 2008, Silvana atualmente integra o Centro de Ciências Biológicas e Sociais Aplicadas (CCBSA). Segundo ela, sua decisão de ingressar na universidade foi motivada pelo desejo de ficar mais próxima das pessoas com Spoan, a quem se refere carinhosamente como “spoanzinhos”.
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