Durante a leitura do livro “A gente mira no amor e acerta na solidão”, de Ana Suy, a memória rapidamente resgatou a última temporada de “How to get away with murder”, mais especificamente, três diálogos travados por Annalise Keating, protagonista que ganha vida pela interpretação de Viola Davis. Volto a dizer, se por algum acaso você ainda não assistiu a esta série disponível na Netflix, que trata sobre a complexidade do ser e de ser humano, faça este favor a si mesmo. 

O primeiro é uma conversa entre Annalise e a mãe dela, durante a qual é possível perceber como as relações familiares nos atravessam de maneira a orientar, mesmo que de forma inconsciente, as escolhas que fazemos todos os dias. Freud e Ana Suy explicam que ao falar em relações familiares, não há aqui restrição aos relacionamentos consanguíneos, não, mas sim aqueles que construímos durante a nossa jornada e, mesmo que a gente tente evitar, nos tocam profundamente.

Essa conversa que Annalise tem com a mãe sobre o abuso sexual sofrido por ela na infância, a respeito do qual a mãe se sente culpada por ter deixado a filha em casa na companhia do tio – o molestador -, para dar conta de dois empregos depois de o pai a ter abandonado, é uma das que explica muitas das condutas adotadas pela protagonista da série. Somos resultado das experiências vivenciadas e tentar ignorar isso é pura perda de tempo e, principalmente, de aprendizado.

Essa mesma lógica se observa no constante diálogo que Annalise mantém consigo mesma diante dos mais diversos interlocutores, nos mais variados contextos. Essa é uma representação daquilo que Ana Suy chama de tagarelice interior, da qual estamos impossibilitados de fugir e representa a solidão a que a autora se refere no livro. No fim das contas, observa Suy, é a gente com a gente mesmo que, a partir dessa constante conversa, toma decisões e determina caminhos a serem seguidos. 

Dizer que a relação com o outro nos atravessa é dizer que as referências daqueles com os quais convivemos também nos influenciam, num excelente exercício proporcionado pela intertextualidade. Exemplo disso é o diálogo de Annalise com uma colega de trabalho, advogada como ela, que faz uma analogia entre o caso em discussão com Game of Thrones cuja referência a protagonista não entende no primeiro momento, mas assim que a explicação lhe é dada, ela se apropria dos elementos que a compõem. 

E é assim, a partir do olhar do outro e também com ele, que, sem perceber, construímos discursos, fazemos escolhas e nos tornamos quem somos. Se é assim, melhor que seja de maneira consciente, né?