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O consumidor, que já vem pagando muito caro pela gasolina, deve se preparar para uma situação ainda mais difícil. O fim do teto de gastos para a criação do Auxílio Brasil, novo programa social que vai substituir o Bolsa Família, com benefício de R$ 400 prometidos pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para 17 milhões de famílias, causou turbulências no mercado financeiro.

Agora, com dólar mais fortalecido devido ao aumento da desconfiança dos investidores nesse cenário instável, tudo indica que novembro também será de solavancos na economia, uma vez que os preços dos combustíveis, que não param de subir, ganham mais força com a desvalorização do real. E, considerando o recente alerta dos distribuidores sobre a falta do produto no mês que vem, além da ameaça de greve geral dos caminhoneiros, a partir do dia 1º, o clima de tensão tende a aumentar.

Analistas explicam que existe, no momento, um cabo de guerra entre distribuidoras e a Petrobras em torno do fornecimento e da importação de combustíveis. A situação é fruto de uma política que não foi bem estruturada pelo governo e que tem falhas na regulamentação. Por conta dos desinvestimentos da estatal, que passou a focar na produção de petróleo do pré-sal, novas distribuidoras entraram no mercado, que, entretanto, não está sendo fiscalizado como deveria.

A política de equiparação dos preços de combustíveis com o mercado internacional, por outro lado, foi mal formulada e não tem semelhança com a que os grandes produtores praticam. Após o congelamento de preços ocorrido no governo Dilma Rousseff, que provocou prejuízos bilionários à Petrobras, o modelo atualmente utilizado para equalizar as perdas do passado precisa de ajustes, destaca William Nozaki, coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).

“Nenhum país grande produtor de petróleo pratica uma política de paridade de preço internacional como a Petrobras vem fazendo hoje. Apenas países sem grandes reservas e dependentes de importação acabam tendo que utilizar esse mecanismo, por falta de alternativa. É preciso um mecanismo de estabilização que amorteça a volatilidade dos preços para os consumidores”, afirma.
Situação gravíssima
Distribuidores já chamaram a atenção para o risco de desabastecimento. No último dia 14, a Associação das Distribuidoras de Combustíveis (Brasilcom) emitiu nota de alerta, após a Petrobras informar às revendas sobre a redução de até 50% no volume solicitado para as cotas. De acordo com Paulo Tavares, presidente do Sindicombustíveis-DF, a situação é “gravíssima”.
Tavares explica que as distribuidoras tentam comprar combustíveis da Petrobras, porque é mais barato do que importar. Entretanto, como a estatal, embora seja autossuficiente em petróleo, não consegue refinar volume necessário para atender o mercado interno, as distribuidoras podem ficar sem combustível a partir de novembro.
“Desde o último aumento, há uns 15 dias, a estatal vem segurando os preços internamente. A defasagem (em relação ao exterior) está em torno de R$ 0,50 para a gasolina e em mais de R$ 0,60 para diesel. As distribuidoras terão que importar, porque a Petrobras está reduzindo as cotas, e, como o preço lá fora está muito alto, a estatal está transferindo o ônus para as distribuidoras”, afirma Tavares. “Nesse sentido, poderá haver realmente falta de produto, pois está muito mais caro importar combustível”, reforça.
Negativa oficial
Questionado sobre o risco de desabastecimento e sobre as críticas à falta de regulamentação do mercado, o Ministério de Minas e Energia (MME) evita comentar o assunto e direciona a demanda para a ANP. A agência nega risco de falta de combustível, mas também não comenta as críticas. “Não há indicação de desabastecimento no mercado nacional de combustíveis, nesse momento. A ANP adotará, caso necessário, as providências cabíveis para mitigar desvios e reduzir riscos”, informou a agência, em nota enviada ao Correio.
Disputas políticas agravam cenário
Disputas e pressões políticas também estão no meio da crise no mercado de combustíveis. “Os preços domésticos não refletem as cotações internacionais. A Petrobras tem dificuldades de repassar os valores, porque a pressão do Planalto e do Congresso é muito grande. Como a estatal tenta minimizar o prejuízo importando menos, transfere parte da responsabilidade (do abastecimento) para os distribuidores”, explica o especialista em infraestrutura Cláudio R. Frischtak, sócio-fundador da consultoria Inter.B.
“De um lado, a companhia sofre pressão para segurar preços, de outro, tem obrigações perante centenas de milhares de acionistas. Infelizmente, quanto mais o governo fala e o Congresso se manifesta, mais ideias criativas surgem, cresce a incerteza na área fiscal, o real se desvaloriza e a defasagem do preço do combustível entre o mercado doméstico e o internacional aumenta. Essa defasagem eleva a pressão para a Petrobras elevar os preços. Todos reclamam. Os caminhoneiros, porque não conseguem repassar o aumento para o frete; os usuários, donos das cargas, se queixam da alta dos custos de produção; os distribuidores reclamam que não têm combustível, porque, se importarem, vão ficar no prejuízo”, explica Frischtak.
De acordo com o especialista, é possível que surjam, no país, bolsões com escassez de combustíveis. “A prova dos nove será em novembro. Infelizmente, a situação está se agudizando”, lamenta.
William Nozaki, coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), também não descarta o risco de desabastecimento. Além da política de paridade nos preços de importação, ele atribui o problema à entrada de diversos operadores na cadeia produtiva, devido à política “equivocada”, no seu entender, de desinvestimento da Petrobras. “A combinação de alta volatilidade dos preços dos combustíveis, de um lado, e a chegada de diversos operadores no mercado tem produzido uma instabilidade permanente”, alerta.
Limite
Levantamento do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis mostra que as importações de combustíveis são crescentes, em grande parte, devido à venda dos ativos da Petrobras, que vem reduzindo a capacidade de refino de petróleo da estatal, que, antes, era de 95%. “A estatal trabalha, em média, com 74% da capacidade de refino. Esse cenário criou um limite, marcado pela entrada de múltiplos operadores e venda”, destaca Nozaki, “A ANP não fez frente aos desafios desse novo cenário com menos Petrobras e mais empresas estrangeiras e a regulação está deixando a desejar”, pontua.
Procurada, a Petrobras informou, por meio de nota, que “está cumprindo integralmente os compromissos contratuais com seus clientes para fornecimento de diesel e gasolina” e alega que houve aumento inesperado na demanda. “Os pedidos extras solicitados para novembro vieram 20% acima da sua capacidade de suprimento, no caso do diesel, e 10% acima em relação à gasolina, configurando-se como uma demanda atípica, tanto em termos de volume quanto no prazo para fornecimento. Além disso, não houve, do ponto de vista do mercado, qualquer fato que justificasse esse acréscimo de demanda”, diz o comunicado.
De acordo com a estatal, há dezenas de empresas cadastradas na Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) aptas para importação de combustíveis. “Portanto, essa demanda adicional pode ser absorvida pelos demais agentes do mercado brasileiro”, acrescenta. A companhia garante que segue operando “com elevada utilização de suas refinarias”, tendo alcançado 90% da sua capacidade de processamento em outubro, “bem acima da média dos últimos trimestres”.