Natal possui pelo menos 10 mil pessoas morando em áreas de risco ou alto risco. Foto: Reprodução

Natal possui pelo menos 10 mil pessoas morando em áreas de risco ou alto risco. Foto: Reprodução

Cotidiano

Prevenção Natal possui pelo menos 10 mil pessoas morando em áreas de risco ou alto risco

Novo Plano Municipal de Redução de Riscos de Natal mapeou 13 áreas de risco na capital em detalhes e é uma ferramenta para reduzir e evitar inundações e deslizamentos. Documento será apresentado oficialmente dia 28 de agosto

por: NOVO Notícias

Publicado 28 de julho de 2025 às 14:42

Natal possui pelo menos 10 mil pessoas morando em condições de risco ou de risco muito alto. Isso equivale a aproximadamente 4 mil famílias, pessoas que residem sob a ameaça de inundações ou desabamentos. Esse conjunto de moradores está espalhado por 13 áreas da cidade que foram mapeadas detalhadamente. Mas há mais locais que requerem atenção e nos quais há mais moradores sob ameaça de perderem tudo o que tem e até mesmo a vida.   

Essas áreas, seus números e condições foram identificados por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) que realizaram um estudo sobre o assunto. O início deste trabalho foi em março de 2024 e ele está sendo concluído agora, 18 meses após. Os resultados completos serão apresentados dia 28 de agosto e compõem o novo Plano Municipal de Redução de Riscos de Natal, uma ferramenta que pode auxiliar o governo federal e a Prefeitura de Natal a reduzir os danos causados por estes problemas e até mesmo evitá-los.

À frente deste projeto está o professor do Departamento de Geografia, Lutiane Almeida, que coordena o grupo de pesquisa Georrisco e o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa sobre Desastres (Nuped). Ele explica que no final de 2023, a Secretaria Nacional de Periferias do Ministério das Cidades selecionou 16 universidades para produzirem 20 planos municipais de risco. No RN, como o Nuped e o Georrisco já tinham essa experiência, eles foram selecionados.

Junto com o professor Lutiane Almeida, participaram da pesquisa os professores Ricardo Matos, do Departamento de Engenharia de Produção; Pitágoras Bindé, do Departamento de Psicologia; o pesquisador Cristiano Alves, da Agência Nacional de Mineração; Caroline Barros, doutoranda em Planejamento Territorial pela UFABC; Anderson Geová, doutorando em Geografia pela UFRN; além de bolsistas bolsistas de pós-graduação e graduação.

O trabalho contou com a colaboração do Ministério das Cidades e da Prefeitura de Natal, com o apoio logístico e no acesso a documentos. “A gente criou junto com a Prefeitura um comitê gestor de realização do PMRR e essa parceria também contou com a valiosa e fundamental colaboração da população das comunidades de risco que a gente mapeou”, conta Lutiane. O professor destaca ainda que a ajuda da Defesa Civil de Natal foi imprescindível para que os pesquisadores conseguissem concluir o trabalho.

Lutiane Almeida conta que ao todo foram mapeados 88 setores de risco na cidade. “Por uma questão de logística, de limitação de tempo e limitação de recursos financeiros, principalmente, nós tivemos que fazer uma hierarquia dessas áreas de risco de Natal e priorizar 13 áreas. Mas ainda existem na cidade de Natal pelo menos mais umas nove ou 10 áreas muito sensíveis que a gente não mapeou”, explica, apontando que isso pode inclusive ser uma recomendação: que a Prefeitura faça esse mapeamento complementar.

O pesquisador explica que em Natal a questão do risco passa por duas situações principais. A primeira envolve o fato da cidade ter se estabelecido em um território dunar. “Então, a gente tem problemas de alagamento em locais, por exemplo, que eram lagoas interdunares naturais e foram sendo urbanizadas, o que reduziu a absorção da água”, diz Lutiane.

“Naturalmente não era para ter problema de drenagem, não era para ter alagamento porque o solo é muito poroso, mas como o modelo de urbanização da cidade é com concreto e asfalto, essa água chega muito mais rapidamente nas lagoas porque a cidade está toda impermeabilizada”, complementa. Além das lagoas, há também as inundações associadas aos rios da cidade.

O outro caso de risco envolve os deslizamentos. Essa situação está ligada aos movimentos de massa, deslizamentos de terra e desabamentos nos locais onde o relevo é mais íngreme,  principalmente em Mãe Luíza, na comunidade do Jacó (zona Leste) e em Cidade Nova (zona Oeste).

Segundo o professor, das áreas mapeadas 70% dessas áreas têm problemas associados a alagamento e inundação e outros 27% têm risco associado a problemas de deslizamento. Em alguns desses locais o risco apresentado implica a possibilidade de que os moradores possam morrer em decorrência dessa situação.

Em locais com risco de deslizamentos e desabamentos, o movimento de massa pode ser rápido o suficiente ao ponto das pessoas não conseguirem evacuar a área a tempo, e se o movimento ocorrer a noite, essa possibilidade de morte aumenta. Nas áreas onde há inundações nas lagoas, o risco de morte está mais associado às doenças de veiculação hídrica quando as pessoas têm contato com água contaminada”, esclarece.

Diagnóstico e soluções

O Plano Municipal de Redução de Riscos de Natal é composto por dois grandes produtos, conforme diz o professor. O primeiro trata do diagnóstico da condição de risco dessas comunidades. Já o segundo “é mais robusto” e traz as as medidas estruturais e não estruturais para reduzir as condições de risco. Para chegar a este resultado, que envolveu a seleção de áreas, foram levados em consideração alguns fatores.

Entre eles, se as áreas eram historicamente as mais atendidas pela Defesa Civil; se era mais populosa; e se havia naquele local maior concentração de processos naturais que geram ameaça ou condição de risco; entre outros. Em um segundo momento, essas áreas foram classificadas numa escala que vai de risco baixo a risco muito alto.

“Nós também fizemos vistorias em cada setor de risco. Nós fizemos um mapeamento de precisão com drone e GPS geodésico. Isso nos deu a possibilidade de fazer um mapeamento de detalhe dessas áreas”, diz Lutiane Almeida.

O trabalho, contanto, foi além: nas áreas que envolviam lagoas de captação, foi feita uma  modelagem de altíssimos resolução e detalhamento, que permite uma visão de vários cenários de inundações nesses locais.

“Hoje a gente tem condição de definir com muita exatidão, quantas residências podem ser expostas às inundações dessas lagoas e estimar também a população exposta”, afirma o professor. Mostra disso foi que nas últimas chuvas eles conseguiram estimar com exatidão a inundação nas proximidades da Lagoa do Sarney, na zona Norte. Lá, a lâmina d`água ficou a 20 centímetros além da capacidade máxima.

Além de contar com a tecnologia, o grupo de pesquisa também contou com a colaboração das comunidades que estavam sendo estudadas. “Nós fomos para cada comunidade, levamos um mapa e pedimos para as pessoas indicarem no mapa onde estavam os problemas. Essa fase foi fundamental, porque nada mais lógico do que perguntar às pessoas que vivem e estão cotidianamente em risco, para indicar onde estão os problemas”, comenta.

Depois da fase de mapeamento, os pesquisadores foram a campo identificar quais as medidas que devem ser realizadas para reduzir a condição de risco e dividiram essas ações em estruturais, quando era necessária alguma intervenção ou obra; e não-estruturais, relativas ao comportamento e à educação da população.

Dentro do conjunto de intervenções, o grupo aproveitou para sugerir soluções baseadas na natureza. “Não só soluções de engenharia, mas também soluções híbridas, medidas que tentam imitar a natureza. Como bueiros ecológicos, escadas hidráulicas para tentar diminuir a energia cinética da água, quando vai descendo a encosta. E nós também sugerimos que ao redor das lagoas fosse trocado o tipo de revestimento das ruas, de asfalto para tijolo intertravado, que permite que a água infiltre no solo”, detalhou Lutiane.

Com relação às medidas não-estruturais, o pesquisador citou como exemplo a criação de núcleos de proteção e defesa civil nas comunidades. “Nós sugerimos também a criação de sistemas de alerta em algumas comunidades. E a criação de um projeto que envolvesse as escolas onde a comunidade de risco está e outras medidas como um projeto de educação ambiental”, acrescenta.

Bate-papo com Lutiane Almeida

Para que serve este Plano Municipal de Redução de Riscos de Natal que será entregue agora em agosto?

Esse plano é uma ferramenta fundamental para o planejamento e o ordenamento territorial da cidade, principalmente nessas áreas de comunidades vulneráveis. São os locais mais inseguros da cidade de Natal para se viver. O plano contribui para que a prefeitura, no nível local, e o Governo Federal, estejam municiados de ferramentas científicas de altíssimo padrão, de altíssima acurácia, de altíssimo detalhamento, para que tomem as melhores decisões para reduzir as condições de risco dessas comunidades.

À frente deste projeto está o professor do Departamento de Geografia, Lutiane Almeida, que coordena o grupo de pesquisa Georrisco e o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa sobre Desastres (Nuped)

Quais são os próximos passos?

Agora no mês de agosto nós vamos fazer uma entrega oficial para a prefeitura. Ainda no mês de agosto, faremos uma audiência pública que será promovida tanto pela prefeitura como nós da UFRN. E no dia 28 de agosto, nós vamos fazer o lançamento oficial do PMRR, lá na UFRN, no Anfiteatro A do Centro de Ciências Exatas e da Terra. A gente vai convidar representantes do Governo Federal, vai estar lá o reitor da UFRN, vão estar lá os representantes da Prefeitura de Natal, vão estar lá os representantes das comunidades que a gente fez o mapeamento; vai estar lá o Ministério Público, todo mundo vai estar lá para ter uma ideia do que é o plano e pensar estratégias para reduzir o risco de desastre na cidade de Natal.

Como o Plano pode ser usado?

O plano vai dar subsídio para que a prefeitura possa realizar uma série de medidas que a gente coloca como sugestão. Todas essas medidas vão evitar que as pessoas percam, por exemplo, seus imóveis, percam seus móveis, percam seus bens no geral. Esse plano, se ele for levado a cabo pelo poder público, prefeitura e governo federal, ele vai fazer com que as pessoas que já têm uma vulnerabilidade social muito alta, elas tenham esse problema a menos para lidar no seu cotidiano, que é o medo, a insegurança, a incerteza com relação às condições de risco associadas aos problemas de ordenamento territorial da cidade.

O que espera que o PMRR gere?

É fundamental que um plano como esse tenha a maior publicidade possível para que as pessoas tenham ciência de que pensar o futuro da cidade de Natal é também pensar uma cidade que seja segura para todo mundo. Segura não só na segurança pública, mas segura do ponto de vista de vivência mesmo. Para as pessoas poderem viver nas suas casas, nas suas ruas, nos seus bairros de forma segura, sem ter o receio de perder seus bens ou sua vida por conta dos problemas de ordenamento territorial da cidade.

“Tive que pessoalmente conversar com chefe de tráfico”

Entre muitos desafios, a elaboração do Plano Municipal de Redução de Riscos contou com um que não envolvia cálculos, medições nem mapeamentos. Mas segurança pública.

Durante os 18 meses de pesquisa, em algumas situações, os pesquisadores tiveram de dialogar com o crime organizado ou pedir que alguém o fizesse para que eles conseguissem, por exemplo, realizar o voo de drone que gerou alguns dos modelos.

“Uma vez tive que pessoalmente conversar com chefe de tráfico para solicitar autorização para fazer voo com drone para o mapeamento e pelo menos duas vezes líderes comunitários tiveram que nos ajudar a acessar áreas dominadas por facções criminosas pedindo autorização para gente trabalhar”, contou Lutiane Almeida.

E detalhou: “Em uma dessas comunidades nem a Defesa Civil municipal foi ‘autorizada’ a acompanhar nosso trabalho”. O trabalho dos pesquisadores especialistas em risco, sem ter essa intenção, acabou revelando que os perigos em Natal, em algumas áreas, vão muito além das inundações e dos deslizamentos. 

 

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